terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Ainda refletindo

Nas últimas semanas tenho andado pensativa. E quanto mais eu leio e reflito, mais entendo que a vida tem um prazer sádico em dificultar as coisas. O amor não é e nunca será suficiente para sustentar uma relação. O que é periférico ao sentimento tem um poder muito maior de estragar tudo do que o amor de manter. Vejamos a literatura: quantos casais se desfizeram por motivos externos à vontade? Quantos teriam continuado juntos se o amor fosse suficiente? Romeu e Julieta, Fermina Daza e Florentino Ariza (que só ficaram juntos depois de cinquenta e três anos, sete meses e onze dias), sem citar os pares da mitologia. É evidente que estou falando de ficção, mas olhemos a realidade e vejamos o que muda. Na minha opinião, nada. A falta de sintonia é o mal do século.

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O Fragmentos fez aniversário em 21 de outubro. Um ano de vida. :) A minha anda tão corrida que nem lembrei. Mas fico feliz mesmo assim.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Só a arte é eterna

Cutlet and Match - The Chinese Crab - 1983 (Salvador Dalí)

Os amigos somem. Os familiares morrem. Os amores acabam. Mas uma música sempre nos tocará. Um espetáculo teatral nos fará gargalhar ou cair em prantos. Um quadro nos deixará pensativos. Um livro virará citação para qualquer circunstância. Um filme virará o de nossa vida. Só a arte se eterniza em nossas almas. E somente ela merece exclusividade e dedicação.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Para uma noite chuvosa

Study of Nude, de Salvador Dalí (1925)

Já não se reconhecia. Havia desembrutecido. E isso a incomodava. Profundamente. Nem tão água mole, nem tão pedra dura. Preferia assim. No entanto, desfazia-se entre os dedos dele quando a tocava e a atravessava com aqueles olhos cor castanho-pedido-de-casamento. Sabia-se incapaz de resistir. E isso a aterrorizava. Sempre detestara a vulnerabilidade e de repente se sentia à mercê de qualquer romantismo piegas e clichê. Tão óbvio e previsível. Alguém já disse que não há carta de amor original. Os apaixonados são também mímese de amores dos quais foram voyeurs. E o ciclo não se fecha nunca.

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Hoje faz 46 anos da morte de Mário Faustino, o poeta dos presságios e das belas metáforas. Aqui fica um poema para os amantes da boa poesia.

O MÊS PRESENTE
(Mário Faustino)

Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nascem mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de cristo preso, |
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
A força do suor de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio.
Amen, amen vos digo, tem domínio.
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Camafeu

Pessoas sérias demais. Palestras intermináveis. Sempre detestara eventos acadêmicos. Aos 20 anos sentia-se uma velha fumando um charuto e assistindo tediosamente à euforia pré-adolescente das pessoas de sua idade. Chegara cedo. Sentou-se num banco de praça e abriu um livro. O ciclo de palestras só a entediou ainda mais. Uma manhã inteira com curtos intervalos. Um moço se sentou ao seu lado e comentou algo sobre a fala do palestrante. Não ouvira nem o orador e nem o moço, mas concordou com ambos, a fim de evitar polêmicas. Ao longo de todo o dia, o tal rapaz fez milhares de tentativas de aproximação. Até que Letícia resolveu olhar para ele. Um sorriso encantador iluminou uma expressão ansiosa. Ela sorriu de volta. Pedro. Era assim que se chamava, disse estendendo a mão.
- Almoçamos juntos?
- Por que não?
Passaram a tarde inteira conversando. As palestras ocorriam paralela e lentamente. Ele a fitava com tanta intensidade que era como se ela não pudesse lhe esconder nada.

- 23 anos?
- Não...
- 24?
- Menos.
- Menos?
- 20!
- Jura? Eu jamais lhe daria essa idade.
- 35?
- Um pouco mais.
- 37.
- Bingo.
- ...
- Seus pés estão inchados... posso fazer-lhe uma massagem se quiser, mais tarde, no hotel.
- Aceito.
- Você dividirá o quarto com quem?
- Com umas moças que não conheço bem, mas parece que sairão para uma festa essa noite.
- Ótimo.
- Hum... (levantando uma sobrancelha)
- Não me entenda mal... apenas poderemos ficar mais confortáveis, conversar...
- Ok. Combinado.

Ao longo do jantar a troca de olhares ficou evidente a qualquer observador minimamente atento.

- Sabe que você me chamou atenção desde que chegou? Esse evento todos os anos traz as mesmas pessoas. Quando vi você, fiquei lhe observando longamente.
- Sei... e onde eu estava?
- Sentada num banco de praça, com um vestido longo, um rabo de cavalo e um livro. Quer que eu diga que livro era?
- Quero.
- A Cidade Sitiada, da Lispector.
- ...
- Eu a vi de lado, concentrada, lendo atentamente, e pensei: deus, essa mulher é um camafeu!
(Risos)
Beijaram-se.

Não, essa história não terminou em noite de núpcias, nem em lua-de-mel no Caribe. Mas quem precisa de um final feliz quando se tem uma bela surpresa num dia quente e pouco promissor?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Marcha Nupcial



- Se você me disser que fica comigo, eu não caso amanhã.
- Você está louca?
- Sim ou não?
- Isso não pode ser sério.
- Você sempre me decepciona...
- O que você quer que eu diga?
- Que me ama e que não suporta a idéia de que amanhã me entregarei a outro homem.
- Não posso.
- Fraco!
- Eu amo você.
- E?
- E te desejo felicidades.
- Não esperava mais que isso de você.
- Então por que ligou?
- Por que eu teimo em apostar até o final. Sempre.
- Eu não posso fazer isso com o Ferreira. Ele é meu melhor amigo.
- Não pode fazer isso com ele, mas pode fazer isso comigo?
- Você está casando com ele porque quer.
- Estou casando com ele porque você é um frouxo!
- E você é o quê? Muito corajosa? Com esse medo estrondoso de ficar sozinha?
- Sabe aquela lingerie que você me deu de presente? Vou usar na noite de núpcias.
- ...
- Adeus, Mauro. E não me apareça na cerimônia amanhã.

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Como boa pagadora que sou, vim trazer o nome do autor da tela do post sem título do dia 24 de setembro: Alvar Rubin. :)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ansiedade



Parte I

Na sala de espera do laboratório, Clarice sentia suas mãos tremerem. Havia feito o trajeto até ali no piloto automático. Os dez minutos que esperou pareceram duas horas. Entrou. Um tubinho de nada definiria sua vida. Aquela mulher da recepção disse 24 horas!? As cenas passavam em flashs. O que uma noite de bebedeira faz a uma pessoa... Não se reconhecera.

- O que eu estou fazendo aqui?
- Nós dois...
- Hum... agora me lembro. Minha cabeça tá estourando.
- Você estava bem transtornada.
- Devia estar mesmo, é a primeira vez que amanheço com um desconhecido.
- Sempre há uma primeira vez.
- Preferia que não houvesse.
- ...
- Desculpe.
- Ainda não tenho seu telefone.
- Não me leve a mal, mas nós podemos pular essa parte. Bom dia.
Recolheu suas roupas e entrou no banheiro. Era a primeira vez que se sentia do lado canalha da história.

(Planta / Projeto: Katy Karen
Execução: Moi)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008


Quando pensou que seu coração só não havia parado para mantê-la viva, eis que surge um homem capaz de fazê-la lembrar da sensação de que seu juízo se mudou, seus pensamentos têm vontade própria e escolheram seu cais e de que um carnaval - com direito a baile de máscaras e bloco de rua - se instalou em sua alma.

* Fico devendo a autoria da tela, não consegui descobrir e nem ler com certeza a assinatura. Se alguém souber, faça-me esse favor. ;)

** Dívida paga no post Marcha Nupcial. ;) A quem não quiser ir lá conferir, o nome do autor da tela é Alvar Rubin.

sábado, 20 de setembro de 2008

Monólogo confessional

Uma garrafa de vinho italiano, um charuto cubano e um bom filme espanhol. A volta estática ao mundo. Às 3h27 da manhã, os créditos e a música terminaram. Olhou para o lado, procurou uma mão para juntar à sua. Nada. Pensou que aquela sexta vazia combinava mais com ela do que gostaria e sorriu sedutoramente a Morpheus, que lhe estendeu a mão e a conduziu ao paraíso dos ébrios.

domingo, 31 de agosto de 2008

No fundo era uma romântica. Apegava-se a cada cliente como se fosse o último. O que a tiraria daquela vida que só era fácil para quem via de fora. Nos olhares de desejo sempre procurava alguma entrega. Algum brilho. E por vezes o via. Ao final da noite, entretanto, percebia que projetara o brilho dos seus olhos no do outro e que não era nada. Voltava para casa desgrenhada, com os sapatos nas mãos e a maquiagem borrada. O que a fazia levantar no dia seguinte eram as novas tentativas. Vira um filme ou dois em que isso acontecia. Embora com suas colegas nunca tivesse acontecido, preferia achar que ela viraria estatística. Gostava de se achar uma exceção. Todavia, as marcas de expressão e os sintomas da velhice já se esfregavam na sua cara. Tinha pressa. Os clientes já não eram tantos, os preços dos programas passaram a ser negociáveis, dava descontos, achavam caro sempre. Tudo aquilo a irritava. Os saltos acabavam com a coluna. As roupas coladas demais incomodavam. O tom louro-cabaré dos cabelos já a aborreciam quando ia de manhã comprar pão e leite, combinavam apenas com a noite. Pagou contas, foi à creche deixar o filho e dar a parte do cafetão, que a esbofeteou dizendo que ela não conseguia nem pagar o aluguel do quartinho que usava. Voltou para casa para maquiar o hematoma que aquele puto deixara no seu rosto. Já havia pedido que ele batesse só em partes que não marcam, afinal, era seu instrumento de trabalho. Tentou ir uma vez à delegacia, mas os policiais passavam a mão nela e faziam gracinhas. Conformou-se, então, com sua sina e no dia seguinte reiniciaria sua procura eterna com aqueles olhos que não perdiam o brilho nunca e que agora se fechavam para descansar.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Indicações Literárias

Eu tento ser só ficcional e não transformar o Fragmentos em um blog de utilidade pública, mas às vezes eu não consigo. Tenho que recomendar dois livros a vocês. Eles são até bem conhecidos, reforçar, todavia, nunca é demais. Não vou falar muito sobre eles para que haja espaço para as surpresas. Vocês precisam me prometer que lerão esses dois antes de morrer. Vamos, descruzem esses dedinhos que eu estou vendo!

Ei-los:

1.Recentemente adaptado para o cinema... estreará em breve. Ainda dá tempo.
Para quem gosta de livros densos e fortes, daqueles que nos tiram a calma e demoramos a dormir depois que o fechamos... este é O livro.

2.Uma história de amor como só a ficção nos dá. Contém imagens lindas, frases inesquecíveis e reflexões que nos permitem transcender ao romance. Também adaptado para o cinema. Esse já está nas locadoras. Ao menos acredita-se que sim (não é, Lúcia?).

O Amor nos Tempos do Cólera, Ensaio sobre a Cegueira e A Insustentável Leveza do Ser - que já indiquei num outro momento - formam a tríade dos meus livros preferidos, por isso, eu precisava citá-los. A ficção volta no próximo post. Fechando os parênteses.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Das indignações



- Olhe para esse quadro e diga o que sente.
- Nada.
- Agora olhe para aquela escultura.
- Continuo não sentindo nada.
- Escute essa música...
- Nada ainda.
- Então agora pegue essa arma, coloque na boca e aperte o gatilho.

[Sempre odiei pessoas que não conseguem sentir a arte. Uma pessoa que olha para uma obra de arte e parece estar olhando para uma parede não merece viver. E tenho dito.]

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Meu querido,

Fiz questão de sair antes dessa carta chegar por um objetivo claro: evitar dramalhões. Você sempre foi dado a uma carga de dramaticidade maior do que eu conseguia suportar. Assim como você nunca suportou a minha praticidade e entendia a minha falta de paciência para romantismos como insensibilidade. Pode ser que seja. Na verdade,deve ser mesmo e que diferença isso faz agora? Mandei essa carta até por um mensageiro. Viu que romântico?!
E tudo isso para dizer que eu te amo. Mas nossos problemas de convivência são maiores que nossos sentimentos.É triste, mas nem toda história de amor termina com sorrisos e mãos dadas num dia ensolarado. Até porque eu detesto dias ensolarados e suas mãos suam muito, me incomodam. Já parou para pensar no quanto implicamos um com o outro? Não conseguimos entrar em consenso nem pra tirar umas simples férias. Eu querendo ir para o leste europeu e você para a América Central. Pois bem... agora cada um vai para onde quiser. Isso não é bom?Adeus, meu amor... foi bom.
...

Ok, ok... eu estou blefando (sei que você odeia quando eu faço isso), fui ao supermercado comprar chá. O de camomila acabou. Já volto. E se você não estiver com cara de choro quando eu chegar, vou ficar muito, muito frustrada.

Eu te amo.

Beijos, meu bem.

Carmem.

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A B., do Devaneios & Loucuras, criou uma série de entrevistas com donos de blogs amigos. Recentemente estive na berlinda. A quem interessar possa, eis a entrevista:
http://devaneios-loucuras.blogspot.com/2008/08/entrevistando-j-oliveira.html

domingo, 17 de agosto de 2008

Conto sem fadas



- Então aquele ar de príncipe encantado era só pra me conquistar?
- Claro, ou você acha que alguém é assim o tempo todo?
- Gostaria que fosse.
- Você tem mais de 30 anos e ainda quer que eu apareça num cavalo branco, diga que, enquanto você estiver comigo, não vou deixar que nada te aconteça e que seremos felizes para sempre?
- Quero.
- Ah, dá um tempo...
- ...
- Vou comprar cerveja, quer alguma coisa da rua?
- Uma maçã envenenada.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Diálogos Memoráveis XI*


- Eu estive pensando... será que eu sou uma psicopata?
- Por quê?
- Porque os meus textos sempre têm finais tristes, dramáticos, violentos, sádicos...
- Nada, menina!
- Achas?
- A violência é parte da essência humana. Ela tem que ser extravasada de algum jeito. Portanto, tenha medo de quem escreve contos de fadas.

* Baseado num diálogo com uma amiga psicóloga.

sábado, 9 de agosto de 2008

Diálogos Memoráveis X*

Quando fala ao meu ouvido sinto como se pusesse minha alma em um copo e a bebesse em pequenos goles. A coisa mais excitante que já ouvi saiu dos seus lábios:

- Ora quero fazer amor contigo, ora quero te foder à força.

Desfiz-me.

* Baseado num diálogo virtual.


quinta-feira, 31 de julho de 2008

Chuvas de Verão


Parte II


À porta do quarto de Beatrice, Daniel beijou-a.
- Passa a noite comigo?
- Hum...
- Isso é um sim?
- Isso é uma reflexão... Acho melhor não.
- Tudo bem... Não vou insistir.
- Nem um pouquinho?
- Eu preciso te contar uma coisa.
- ...
- Eu sou noivo.

Daniel viu o dia amanhecer sem fechar os olhos. Autoflagelou-se durante toda a noite pelo seu péssimo hábito de ser sincero. A porta do quarto da frente estava entreaberta. O perfume, já tão familiar, invadia o corredor. Empurrou levemente a porta.
- Bom dia.
- Olá.
- Passou bem a noite?
- O que você acha?
- Eu não te contei antes porque sabia que se você soubesse não ficaria comigo.
- E você acha que eu não tinha o direito de escolher?
- Foi uma atitude egoísta, eu sei.
- Eu tenho que ir.
- O seu curso não ia começar só na segunda?
- E vai.
- Ah, o passeio de barco... Eu posso ir?
- À vontade.
- Aquele professorzinho que não tira os olhos de você estará lá?
- Até mais, Daniel. Ah! Sabe aquela sua idéia de ser meu aluno? Vetada.

A disputa pueril por sua atenção arrancou muitas risadas de Beatrice. Em um dos raros momentos em que Daniel se viu sozinho com a professora da cidade, fez uma pilhéria que a fez gargalhar gostosamente.
- Você é uma comédia.
- E você é divina.
Ambos enrubesceram e calaram.


*****


Música incidental: Beatriz, Chico Buarque.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Sussurros inaudíveis

Eu o vi indo embora e já não tinha mais forças para impedi-lo. O amor já era cinza. Os beijos sem açúcar. Os olhares mais perdidos que atentos. As cores tão pouco vivas. Os sorrisos monalísticos. O coração já não acelerava ao ouvir o som de chaves no final da tarde, os passos inconfundíveis e a voz tão familiar. Familiar... acho que foi isso. Tudo tinha cara de reprise. Foi quando tive clareza disso que desisti de nós. A chuva levou você de mim. Vi a porta se fechar e senti como se meu coração estivesse numa solitária. Chorei. E já não sabia se chorava por amá-lo ou por perdê-lo. Se o que me fazia sofrer era a sua ida ou o silêncio que se instalava. A verdade é que nunca saberei. E isso importa de fato? O que importa é que continuo aqui, do jeito que você me deixou: nua, desgrenhada, catatônica. Mesmo depois de oito anos, a imagem que me vem quando cerro os olhos é a porta se fechando e os seus passos se distanciando. "Não me deixe...", ainda sussurrei, mas você não quis ouvir. Ou eu não quis que ouvisse.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Maquiavel pós-moderno ou Os fins justificam os meios



- Como você pode dizer que me ama depois de ter me traído?

- Mas eu amo. Aquilo não significou nada.

- Isso é tão clichê! Esperava mais originalidade de você. Só fico ainda mais desapontada com essa resposta pronta.

- Eu te amo muito mais que a mim mesmo.

- ...

(Breve silêncio)

- O que mais te machucaria?

- Perder você. Eu não conseguiria viver.

Ao vê-lo em prantos, ela pega o revólver que trazia na bolsa e um único projétil, para pôr fim à vida dele. Diante daquela conversa, entretanto, mudara de idéia.

Matou-se com um tiro na cabeça. Sabia que aquilo o faria sofrer mais.

********

Música incidental: Tenha Dó (Marcelo Camelo)

sexta-feira, 18 de julho de 2008


Eu sempre me joguei sem olhar pra baixo. Mas com você me arrisquei ainda mais. Eu fechava os olhos. Confiei minha vida em suas mãos e olhe o que você fez. Nunca me permiti ser covarde, prefiro pecar por excesso que por omissão. Já você... sempre tão sensato, comedido, entediante. Como pude me apaixonar por alguém tão morno?

Eu acreditava em tudo que você dizia. Sempre tão convincente... Prometeu que seguraria minha mão até meu último suspiro... e quebra a ordem das coisas assim... sem me avisar? Eu achei que você tinha palavra.

Essa é a sua temperatura ideal. A expressão inexpressiva também lhe cai bem. A cor do sangue é que destoa, é viva demais para um morto como você.

Você morreu no dia em que nasceu.

Achou que comporíamos uma cena à la Romeu e Julieta? Quem quis morrer foi você, querido. Eu sempre achei aquele final muito melodramático. Se houver vida após a morte, boa sorte.
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*******
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O Fragmentos chegou ao post 100. Pra quem resistiu tanto em criar um blog, até que tomei gosto pela coisa. :)

sábado, 12 de julho de 2008

Diálogos Memoráveis IX*


- Eu não posso fazer isso... somos amigos.
- E alguém beija inimigos?
- Eu não posso...
- Você pode parar de pensar em voz alta?
- ...
- Da próxima vez me espera sair pra entrar em crise.
- O que você está fazendo?
- Indo embora.
- Me desculpa.
- Fica tranqüilo, não haverá próxima vez pra você estragar tudo.
- Eu não te mereço.
- Não me faça concordar com você.

* Baseado num diálogo surreal.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Companheiras

Fotografia retirada do site olhares.com


Quanto mais acompanho histórias de amor do auge à decadência mais gosto de ser um número ímpar. A solidão não grita com você, não implica com roupas, não fecha a cara e nem tem ciúmes por ter que dividir - de modo de desigual, diga-se - sua atenção com seus livros. Por outro lado, não dá colo, não olha nos olhos e nem bebe vinho com você. Na minha balança, entretanto, ela está em vantagem. Eu gosto de beber vinho sozinha.



Ouvindo Longe de Você, Vitor Ramil.

sábado, 21 de junho de 2008

Diálogos Memoráveis VIII*



"- Você me daria a honra de te levar para casa?
- Que engraçado, ia te fazer a mesma pergunta agora mesmo. Mas já ia te perguntar se você gostaria de me levar, já que você insiste em dizer que é sempre tão prática...
- Mas eu estou sendo prática.
- Eu pensei que você acharia mais prático sua amiga me levar, já que ela mora mais perto da minha casa.
- Não, você não está entendendo. Prático sou eu te levando... [sorrindo e olhando nos olhos dele]
- Aaaaa..."


* Escrito e vivenciado por Luiz Gustavo, do Marco Zero 22 (o link tá na lista de blogs recomendados, perdi o código pra colocar links, quem quiser me ajudar mandando o código, agradeço imensamente). Gustavo, obrigadíssima por me mandar o diálogo. :)

domingo, 15 de junho de 2008

Chuvas de verão



Parte I

Ela estava a trabalho naquela cidade. Uma semana. O prefeito disponibilizara a ela um quarto em uma casa da qual alugava quartos para funcionários da prefeitura. Achou que seria melhor do que o isolamento de hotéis. Até porque a cidade não tinha muitos.
A chave parecia não ser daquela porta. Irritada e cansada da viagem de mais de quinze horas, de barco, sentou-se sobre a mala e colocou o rosto entre as mãos.
- Quer que eu tente pra você?
- Por favor.
- É assim: você levanta um pouquinho a porta e ela abre.
- Eu não vou esquecer disso. Obrigada.
- Você é a professora de fora?
- Ah, eu já sou notícia? Sou eu sim. E você é o arquiteto da cidade, que disseram ser meu vizinho de porta?
- É, sou eu.
- Por que o arquiteto da cidade? Os outros não contam?
- Sou o único arquiteto desse lugar.
- Jura?
- Você veio para o fim do mundo. Não te avisaram?
- Acho que não. Mas o fim do mundo não há de ser tão ruim. Tenho até um arquiteto como vizinho.
- Rs. Já almoçou?
- Não.
- Você se instala e almoçamos juntos?
- Aceito. É bom que você me fala mais do que se faz no fim do mundo num final de semana. Descobri que hoje é feriado e que não há a menor possibilidade de começar um curso hoje. Não dá pra competir com santos. A cidade está eufórica.
- É festa do santo padroeiro da cidade. Aproveitamos o almoço pra você me dizer sobre o que será o curso que veio ministrar. Vai que eu me interesso e viro teu aluno.
- Quem sabe? Até mais.
- Até.

Não sabia que santo era aquele, mas de quebra o agradecia por lhe dar um vizinho interessante.

- Pronta?
- Agora sim.
- O que você pretende fazer hoje à noite?
- Deixa eu olhar minha agenda... eu cheguei hoje, menino... deves imaginar que não tenho tantas propostas assim. O prefeito me convidou pra ir à festividade de hoje à noite.
- Vai ser entediante, salvo se você gostar de festas de santos. Vamos fugir dessa bagunça?
- Vamos.
- Que tal uma sinuca?
- Adoro.
- Fechado. Passo pra te buscar hoje às oito.

Era estranha a intimidade que eles tinham. Parecia que já se conheciam... ficavam tão à vontade um com o outro que chegava a ser assustador.

Pontualmente às oito, ela ouve um toque leve à porta.
- Senti o perfume lá do meu quarto, imaginei que isso quisesse dizer que você estava pronta.
- Que detalhista.
- Vamos?
Deram-se os braços e foram caminhando calmamente no sentido inverso ao barulho e à balbúrdia.

- Fala a verdade, você foi campeão nacional de sinuca.
- Nada, você que é ruim mesmo.
- Ah, obrigada pela gentileza.

Sentaram-se.

- Que boa surpresa que foi você. Tem bem pouca gente interessante por aqui.
- ...
- Quando disseram que viria uma professora de fora pra cá eu imaginei uma senhora de óculos.
- Tirando o senhora, você acertou, eu uso óculos, como a maioria das professoras.
- Você é forte pra bebida, hein?
- Nada! Tô vendo tudo girando.
- Então eu já posso me aproveitar de você?
- Nem precisava ter esperado.

Beijaram-se, sorriram, gargalharam e voltaram para casa de mãos dadas.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

No dia dos namorados, passo a palavra a Paulinho da Viola, com sua lindíssima Dança da Solidão. Feliz Dia dos Namorados, queridos.



"Solidão é lava
Que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo...


Solidão, palavra
Cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão, viu?!

Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão...

Camélia ficou viúva,
Joana se apaixonou,
Maria tentou a morte,
Por causa do seu amor...

Meu pai sempre me dizia:
- Meu filho tome cuidado!
Quando eu penso no futuro,
Não esqueço o meu passado.

Oh!...Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão, viu?!

Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão...

Quando vem a madrugada
Meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola
Contemplando a lua cheia...

Apesar de tudo existe
Uma fonte de água pura
Quem beber daquela água
Não terá mais amargura

Oh!...Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão, viu?!

Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão...

Danço eu, dança você
Na dança da solidão...
Desilusão!"

quinta-feira, 5 de junho de 2008



- Os meus espaços vazios que deixei para você preencher foram preenchidos com autoestima. Meu ego não soube esperar. Quem sabe na próxima [vida]?

domingo, 1 de junho de 2008

Infrações não puníveis


- A solidão nunca me assustou, pelo contrário, sempre gostei de sua companhia. Mas o eco que tem feito no meu peito é algo que incomoda e me faz temer que isso seja perpétuo.
- Só se você quiser que seja assim.
- Não exatamente. Parece que alguma porta se fechou e o meu coração é mantido em cárcere privado.
- Chame a polícia então.
- Não há mandado de busca possível.
- E quem julga isso?
- A minha história de amores fracassados.
- Todos temos as nossas. O que não dá é pra desistir.
- Dá sim. Acredite.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Vivendo e aprendendo a jogar

A sombra projetada pela luz nem sempre é fiel. Algumas vezes é uma versão melhorada. Esconde as imperfeições e omite os detalhes.

sábado, 24 de maio de 2008

Detalhes

Não, não se trata de uma postagem sobre ou que faça qualquer referência a Roberto Carlos. Estive pensando outro dia como às vezes passamos insensivelmente despercebidos por imagens comuns e belas, como a correria nos estraga... resolvi então relembrar algumas cenas que registrei e que, agora, olhando, entendo o porquê do registro.


Sensação

Inspiração chuvosa





Metáfora



Sorridente



Morte flutuante





Rio-rua






Sob a ótica arruinada





O reflexo da beleza


Dos sonhos infantis

Conversa poética


Paredes verdes

Anoitecer entrefolhas

Infinito íngrime

Ao abrir a porta

sábado, 17 de maio de 2008

Das despedidas ou Das pessoas que vão embora ou (ainda) Das coisas que doem

Nada mais freqüente que se despedir de pessoas queridas. Acho que até a bolsa de valores sobe e desce menos do que eu vou ao aeroporto para ver pessoas que adoro cruzarem o portão de embarque. É... acho que sou eu que vou apagar a luz.

domingo, 11 de maio de 2008

Do tédio eterno



- Sonhei que eu morria e virava um anjo... Quatro problemas: 1) impossível, porque não levo lá uma vida muito virtuosa; 2) o céu era mais entediante do que nas minhas piores expectativas, sendo que eu não sei tocar harpa, logo, não tinha nada para fazer e não me deixaram levar os meus livros (imagina a eternidade sem livros!); 3) detesto branco e lá não tinha outra opção de cor; 4) tenho fotofobia, e é tudo muito claro por lá. Resultado: serei mais má, para não correr o risco de ir pr'aquele lugar de verdade.


A amiga ortodoxa, depois de transmitir todo seu choque em uma expressão impagável, caiu de joelhos:

- Senhor, ela não sabe o que diz. Perdoe-a.


- Nossa, como é bom chocar os fundamentalistas, pensou Mariana.


domingo, 4 de maio de 2008

Dos casos mal resolvidos

Parte IV ou Final
Como fora tola ao não acreditar naquele telefonema que agora lhe vinha à memória com uma nitidez surpreendente:
- Eu me caso amanhã.
- Você só pode estar de brincadeira. E adianto que não tem a menor graça.
- Falo sério.
- Boa sorte então... o que mais posso te dizer?
- Se disser que fica comigo, eu não caso.
- Faz seis meses que não nos falamos e você me liga pedindo uma decisão dessa? Assim, de repente?
- Eu sei que não é a melhor maneira. Mas eu não poderia deixar de dizer que era a sua mão que eu gostaria de segurar amanhã, no altar.
- É... mas não será a minha mão.
- Por que você não quis.
- Você deu a ela aquele par de alianças?
- O nosso? Jamais. Aquele estou guardando pra você.
- ...
- Você vai mesmo me deixar ir?
- Você precisa resolver isso sozinho.
- Só há uma pessoa que me faria não casar amanhã: você. Nada mais justo do que perguntar a você o que acha disso.
- Acho que você deve ficar com quem vai dar o que você espera.
- Ok. Acho que essa é a minha resposta.
- É, é sim...
- ...
- Felicidades.
.
No dia seguinte Isadora foi trabalhar com os olhos inchados e um mau humor evidente até para desconhecidos.
.
- Senhora. Senhora!
- Hã!?
- O taxímetro está ligado.
- Ah, certo... quanto devo ao senhor?
.
Isadora estava anestesiada. Depois de um telefonema como aquele na noite anterior que a deixara num estado deplorável, aquela foto no jornal. O que mais poderia acontecer?
.
- Então, Isadora... você é uma excelente funcionária. Mas estamos cortando despesas... a empresa passa por um momento difícil. Sei que você entende.
.
Se eu encontrar Murphy na rua, ele está perdido, pensou. Passou em uma banca de revistas. Comprou os classificados.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Das reflexões


- A saudade do que não se viveu ou do que não é seu é um veneno sem antídoto.

sábado, 26 de abril de 2008

Audácia


- Com que direito você me olha desse jeito, me faz ver romance em tudo e rasga a minha calma em quatro pedaços assimétricos e a verte sobre o chão indigno? O que lhe dá o direito de colocar novamente essas mãos grandes sobre mim e me fazer parecer tão pequena? Quem você acha que é pra me presentear com esse sorriso que eu sempre adorei e achava que não adorava mais? Que espécie de pretensioso é você que acha que pode levantar acampamento no meu coração?

Precisa de mais um cobertor?

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Top Huit


O mocinho do Gamella me encarregou, junto a outros companheiros de blogs, de elaborar uma lista de oito coisas que eu pretendo realizar antes de receber a indesejada visita da senhora da foice.

Vamos a ela:

1. Viajar pela Europa e pela América Latina com uma mochila nas costas. Visitando países atraentes e de cultura interessante com boas companhias (sozinha também seria legal);

2. Ler os livros que sou frustrada por não ter lido ainda e todos os outros que ainda surgirão e me derem vontade;

3. Morar em Paris uns meses, uns anos ou umas vidas;

4. Fazer pós-doutorado e ser professora da Universidade de Coimbra (tá, eu exagerei);

5. Ser dona da segunda maior biblioteca particular do país (eu não teria a pretensão de derrubar o Midlin);

6. Aprender decentemente francês;

7. Saber pintar;

8. Levar minha mãe a Veneza (essa tem que ser à parte).

Bem, acho que eu não sou tão ambiciosa assim, não é? Ah, são coisas simples e egoístas, uai. Gostei da brincadeira. Eu teria que passar a mais alguém, mas quem quiser fazê-lo, fique à vontade.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Dos casos mal resolvidos


Parte III

E junto às alianças, cansava-se também a relação, que envelhecera precocemente, como um portador de progeria. Isadora já se machucava ao dizer não a Lucas. Enquanto ele sentia uma vontade maior que si de vê-la transitando em sua casa com roupas íntimas confortavelmente ao acordar com os cabelos lindamente desgrenhados.

- Acho melhor a gente terminar.
- Terminar? Você só pode estar brincando. Acabei de ouvir ao pé do ouvido que você me ama...
- E amo.
- E então?
- É uma questão de bom senso, Lucas.
- Como você pode pensar em bom senso quando o assunto é sentimento?
- Você quer uma coisa, eu outra. Estamos nos maltratando com isso. Eu não posso te dar o que você quer e nem você o que eu quero.
- Você é tão programada! Segue sempre alguma espécie de lógica em tudo que faz, coisa mais irritante!
- Lucas, quantas vezes brigamos nas últimas semanas?
- Muitas, mas isso faz parte das relações humanas.
- Não pra mim. A gente não entende o que o outro diz.
- Quem sabe com esforço.
- Eu não quero mais.

Disse isso e pegou a bolsa sobre a mesa, bateu a porta. Saiu soluçando pelo corredor ecoante. Nas escadas já não conseguia controlar o soluço que a sacodia convulsivamente.

Ele não tirava os olhos da porta. Sentou-se no chão da sala e chorou. Prometeu a si mesmo que não a procuraria.

Isadora jamais o procuraria, era orgulhosa demais para admitir que se arrependera e que queria voltar atrás. Embora soubesse que uma semana depois a tormenta recomeçaria pelos mesmos e velhos motivos.

Percorrendo seu caminho habitual do trabalho para casa lentamente, lembrou-se do dia em que saíram para jantar e na volta para casa não queriam se separar. Lucas estacionou o carro e a conduziu pela mão àquele banco de praça, que ela agora contemplava, no qual permaneceram por horas consecutivas, horas em que o tempo parecia em suspenso. Cada canto daquela cidade lembrava Lucas direta ou indiretamente.

........

Passados seis meses, Isadora abre um jornal a caminho do trabalho dentro de um táxi. A foto em preto e branco de Lucas de fraque ao lado de uma moça com um buquê de rosas brancas nas mãos a paralisa. Sai do transe com a mão do motorista do táxi no seu ombro perguntando se ela vai demorar a descer, lembrando-a de que o taxímetro está ligado.

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Eu não esqueci da minha missão, viu, seu Gamella? A próxima postagem é dela. ;)