sexta-feira, 4 de outubro de 2019



- Acho que ainda podemos ser felizes.
- Felicidade é algo abstrato demais pra mim.
- As coisas mais bonitas da vida são abstratas! 
- Discordo. Pra variar, não é?
- O que você quer dizer com isso? 
- Querido, não sou o tipo de pessoa que quer dizer, eu simplesmente digo.
- Sempre se vangloriando por sua sinceridade à flor da pele. Saiba que isso nem sempre é uma qualidade, viu?
- Eu sei disso, mas saiba também que abstrair demais, NUNCA é uma qualidade.
- Sim, mas nem tudo é matemático. E eu menos ainda. 
- É, eu notei. Se somos tão diferentes assim, por que insistimos em ficar juntos? 
- Nós já não estamos juntos faz muito tempo. Nos últimos meses, apenas dividimos o mesmo espaço, mas eu sabia que essa coexistência pacífica não duraria muito.
- Claro, você e a sua eterna mania irritante de polemizar tudo. Sempre. 
- Não se preocupe com a polêmica, preocupe-se quando eu silenciar. Aí sim, pode ter certeza de que não restou nada. E quando isso acontecer, saia sem se despedir. Até o ruído surdo do seu sapato no chão vai me aborrecer.
- Pode ter certeza de que sairei à francesa antes disso.
- Obrigado.
- Você sempre subestimou meus sentimentos, só porque tento ser racional.
- Acho que já passamos dessa fase. Reparou o quanto temos coisas que nos incomoda um no outro?
- Isso é um relacionamento, não?
- Isso é cansativo.
- Relacionamentos são cansativos.
- Ou você que desiste fácil de tudo.
- Talvez você tenha razão. Por que eu faria diferente agora, não é? Amanhã passo para buscar minhas coisas e deixar as chaves.
- É sério isso?
- Vou pra um hotel essa noite.

E o barulho da porta se fechando ecoou na cabeça dele por toda a madrugada. Ela era inacreditavelmente presunçosa. E ele irremediavelmente apaixonado.