quinta-feira, 31 de julho de 2008

Chuvas de Verão


Parte II


À porta do quarto de Beatrice, Daniel beijou-a.
- Passa a noite comigo?
- Hum...
- Isso é um sim?
- Isso é uma reflexão... Acho melhor não.
- Tudo bem... Não vou insistir.
- Nem um pouquinho?
- Eu preciso te contar uma coisa.
- ...
- Eu sou noivo.

Daniel viu o dia amanhecer sem fechar os olhos. Autoflagelou-se durante toda a noite pelo seu péssimo hábito de ser sincero. A porta do quarto da frente estava entreaberta. O perfume, já tão familiar, invadia o corredor. Empurrou levemente a porta.
- Bom dia.
- Olá.
- Passou bem a noite?
- O que você acha?
- Eu não te contei antes porque sabia que se você soubesse não ficaria comigo.
- E você acha que eu não tinha o direito de escolher?
- Foi uma atitude egoísta, eu sei.
- Eu tenho que ir.
- O seu curso não ia começar só na segunda?
- E vai.
- Ah, o passeio de barco... Eu posso ir?
- À vontade.
- Aquele professorzinho que não tira os olhos de você estará lá?
- Até mais, Daniel. Ah! Sabe aquela sua idéia de ser meu aluno? Vetada.

A disputa pueril por sua atenção arrancou muitas risadas de Beatrice. Em um dos raros momentos em que Daniel se viu sozinho com a professora da cidade, fez uma pilhéria que a fez gargalhar gostosamente.
- Você é uma comédia.
- E você é divina.
Ambos enrubesceram e calaram.


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Música incidental: Beatriz, Chico Buarque.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Sussurros inaudíveis

Eu o vi indo embora e já não tinha mais forças para impedi-lo. O amor já era cinza. Os beijos sem açúcar. Os olhares mais perdidos que atentos. As cores tão pouco vivas. Os sorrisos monalísticos. O coração já não acelerava ao ouvir o som de chaves no final da tarde, os passos inconfundíveis e a voz tão familiar. Familiar... acho que foi isso. Tudo tinha cara de reprise. Foi quando tive clareza disso que desisti de nós. A chuva levou você de mim. Vi a porta se fechar e senti como se meu coração estivesse numa solitária. Chorei. E já não sabia se chorava por amá-lo ou por perdê-lo. Se o que me fazia sofrer era a sua ida ou o silêncio que se instalava. A verdade é que nunca saberei. E isso importa de fato? O que importa é que continuo aqui, do jeito que você me deixou: nua, desgrenhada, catatônica. Mesmo depois de oito anos, a imagem que me vem quando cerro os olhos é a porta se fechando e os seus passos se distanciando. "Não me deixe...", ainda sussurrei, mas você não quis ouvir. Ou eu não quis que ouvisse.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Maquiavel pós-moderno ou Os fins justificam os meios



- Como você pode dizer que me ama depois de ter me traído?

- Mas eu amo. Aquilo não significou nada.

- Isso é tão clichê! Esperava mais originalidade de você. Só fico ainda mais desapontada com essa resposta pronta.

- Eu te amo muito mais que a mim mesmo.

- ...

(Breve silêncio)

- O que mais te machucaria?

- Perder você. Eu não conseguiria viver.

Ao vê-lo em prantos, ela pega o revólver que trazia na bolsa e um único projétil, para pôr fim à vida dele. Diante daquela conversa, entretanto, mudara de idéia.

Matou-se com um tiro na cabeça. Sabia que aquilo o faria sofrer mais.

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Música incidental: Tenha Dó (Marcelo Camelo)

sexta-feira, 18 de julho de 2008


Eu sempre me joguei sem olhar pra baixo. Mas com você me arrisquei ainda mais. Eu fechava os olhos. Confiei minha vida em suas mãos e olhe o que você fez. Nunca me permiti ser covarde, prefiro pecar por excesso que por omissão. Já você... sempre tão sensato, comedido, entediante. Como pude me apaixonar por alguém tão morno?

Eu acreditava em tudo que você dizia. Sempre tão convincente... Prometeu que seguraria minha mão até meu último suspiro... e quebra a ordem das coisas assim... sem me avisar? Eu achei que você tinha palavra.

Essa é a sua temperatura ideal. A expressão inexpressiva também lhe cai bem. A cor do sangue é que destoa, é viva demais para um morto como você.

Você morreu no dia em que nasceu.

Achou que comporíamos uma cena à la Romeu e Julieta? Quem quis morrer foi você, querido. Eu sempre achei aquele final muito melodramático. Se houver vida após a morte, boa sorte.
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O Fragmentos chegou ao post 100. Pra quem resistiu tanto em criar um blog, até que tomei gosto pela coisa. :)

sábado, 12 de julho de 2008

Diálogos Memoráveis IX*


- Eu não posso fazer isso... somos amigos.
- E alguém beija inimigos?
- Eu não posso...
- Você pode parar de pensar em voz alta?
- ...
- Da próxima vez me espera sair pra entrar em crise.
- O que você está fazendo?
- Indo embora.
- Me desculpa.
- Fica tranqüilo, não haverá próxima vez pra você estragar tudo.
- Eu não te mereço.
- Não me faça concordar com você.

* Baseado num diálogo surreal.