quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Das respostas malcriadas


- Oi, quanto tempo! Como estás?
- Bem e tu?
- Ah, tô feliz, tô casada, tenho dois filhos... um casal!
- Que bacana.
- É, mas é uma trabalheira só. O marido não ajuda em nada. Tudo sou eu que tenho que resolver: coisas da casa, das crianças, enfim... E tu, mulher? Já casou? Já teve filhos?
- Menina, meu dinheiro só dá pra viajar mesmo. 
- Como assim?
- Escolhi viajar. Não tenho planos de formar uma família. 
- Mas isso não é muito solitário?
- Depende do ponto de vista, acabaste de dizer que fazes tudo sozinha, a diferença é que escolhi isso. 
- É... faz sentido.

sexta-feira, 24 de abril de 2015



Estava nostálgica. Não saudosa, apenas nostálgica. Gostava deste sentimento. Porque só o que era bom voltava à memória. Não lembrava das brigas homéricas por tudo e por nada. Da tentativa de controlar sua roupa, a direção do seu olhar e até seu pensamento. Quando ficava nostálgica recordava os primeiros meses. Os melhores. Ele ainda se esforçava em disfarçar seu ciúme e quando deixava escapar, ela achava até charmoso. O charme desapareceu na primeira ameaça. Ele a censurava em tudo. E ela que sempre fora tão dona de si, parecia uma criança obedecendo a seu pai cegamente. Por sorte, a cegueira só dura até o último suspiro do amor. A voz, os ataques de ciúme, o tom autoritário, tudo nele a exasperava. Até que com o dedo em riste, ela disse enfim:

- Não quero mais você e não venha atrás de mim.

Ainda ouviu ele dizer:

- Eu vou te matar.

Olhou sorrindo sarcasticamente sobre o ombro e respondeu:

- Se eu não te matar primeiro.

O amor é mesmo um sentimento volúvel, pensou, agora, admirando o corpo dele caído na sala do seu apartamento, encharcando de sangue o carpete. Acendeu um cigarro.

sábado, 14 de março de 2015

Quanto mais o tempo passava, mais ela percebia o quanto a solidão era sua melhor companhia. Não era um sentimento amargo, como se costuma pensar que é. Apenas uma constatação óbvia e reconfortante.

Não tinha mais paciência para a capacidade de negociação que requer um relacionamento.  Em suas férias, por exemplo, queria apenas escolher o destino, sem precisar convencer ninguém de que era boa ideia.

Reconhecia o valor das relações, apenas não queria para si. Ao menos não naquele momento. Dava claustrofobia, só de pensar. E por ora estava bom assim. Sem cobranças, sem ciúmes, sem explicações. Apenas o silêncio necessário para ler um bom livro.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Dos diálogos previsíveis*


* Texto da amiga Katy Karen Cordeiro, que só me dá gosto.

Sentados no jardim eles conversam e se divertem um com o outro como de costume. À frente deles estão duas taças de vinho tinto, uma paixão que sempre compartilharam.
O amigo: por que você nunca disse uma palavra a respeito?
A amiga: Porque não fazia sentido.
O amigo: E agora faz?
A amiga: Menos ainda.
O amigo: E por que tocar no assunto agora?
A amiga: E por que não? Tens medo de mim ou de ti?
O amigo: Dos dois. Sempre fomos imbatíveis juntos.
A amiga: Por que você nunca tentou nada?
O amigo: Eu tentei. Você é que não percebeu.
A amiga, com a elegância que lhe é característica, respira fundo e oferecendo a ele um leve sorriso, responde calmamente: - Sutileza tem limite.
O amigo: E você? Por que nunca foi franca?
A amiga: Não confunda franca com fácil. Eu sempre estava na mulher que querias ao teu lado, mas na hora de agir, o alvo era sempre outro. Ela sempre tinha que caber na sua insegurança.
O amigo: Você está me culpando?
A amiga: Pelo quê? Não há culpados e nem vestígios se não há crime.
O amigo: De fato... mas por que nunca aconteceu nada? Por que a amizade?
A amiga, fazendo um brinde solitário com o ar, responde: Porque eu queria ficar na tua vida e não passar pela tua cama.
- Tenho que ir. Tenho uma reunião importante daqui a meia hora.
Os amigos (em coro): Fica bem e te cuida.
Sorriem e se olhando profundamente, enfim, reconhecem que o medo de perderem um ao outro fora maior que a coragem de se ganharem(?).