sábado, 26 de maio de 2012

Dos Diálogos Memoráveis XX


- Você não tem ciúmes de mim?
- Tenho, claro, mas não sou do tipo que faz cena.
- E de que tipo você é?
- Do tipo que não faz xixi nos cantos. 
- Você não tem medo que eu encontre outra pessoa?
- Até parece que eu ficar no teu pé vai te impedir.
- Mas dificulta.
- O que torna tudo mais atraente.
- E se eu te trair?
- Paciência.
- Você me perdoaria?
- Não.
- Não? Nem pensaria a respeito?
- Não. Eu até toleraria um namorado traidor, mas burro jamais. E se eu descobri a traição é porque você foi burro o suficiente para permitir. E burrice eu não tolero. 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Inspiração


                                                                                             At the Concert (Renoir)

Olhava o mundo com um ar tão blasé que parecia ser uma personagem de Renoir. Era uma incrédula. E uma indignada, apesar de tudo. Não acreditava em promessas, em juras de amor. Tudo soava falso, ensaiado. Só a arte tinha o poder de remexê-la. Até que conheceu um artista. Apaixonou-se. Acreditou que ele era a representação humana da arte. Talhado sob encomenda. Cada tela que ele pintava era um suspiro apaixonado que ela soltava. Chegou até a crer na eternidade, quem diria. E só se apegava a isso porque não imaginava um fim para tamanha perfeição. Era tão perfeito que parecia surreal. Um Dalí, decerto. Os relógios escorridos passaram a ser uma realidade, pois o tempo passou e ele encontrou outra musa para inspirar sua arte. E ela voltou para seu velho e roto Renoir, até que algum Van Gogh viesse arrancá-la novamente de lá.

domingo, 22 de abril de 2012




- Sabe qual é o problema?
- Não.
- Você tem medo de mim. E você sabe que quando o assunto é relacionamento, o medo é um sintoma de vontade, não sabe?
- Quanta pretensão...
- Depende, se eu estiver errada, realmente estou sendo pretensiosa, mas se estiver certa, sou apenas... observadora.
- Sei...
- Eu não tenho essa resposta, entretanto consigo lidar com a dúvida. Você a tem. Consegue lidar com a escolha?



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Tentei descobrir o autor da tela, mas não consegui, se alguém o conhecer, só informar.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

(In)Certezas

- Como teria sido se tivéssemos ficado juntos naquela época?
- Nunca saberemos, mas talvez nem estivéssemos mais juntos.
- Talvez? Tenho quase certeza.
- O quase é que acaba com a gente, não é?
- É...
- Poderíamos tentar novamente...
- Não, perdemos o tempo de fazer isso. Passou.
- Só se for pra você. Nunca me perdoarei por não ter tido coragem.
- Não confunda arrependimento, culpa, com vontade. Se fosse vontade realmente não estaríamos aqui conversando, estaríamos ocupados demais pra isso.

Ele a beijou. Olharam-se por alguns segundos e gargalharam sonoramente.

- Eu não disse? Enche a minha taça, que vou buscar mais queijos.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

"Antes de embarcar em uma vingança, cave duas covas" (Confúcio)



(Texto escrito em parceria com Katy Cordeiro)


A noite chuvosa parecia refletir seu estado de espírito. Andava descontroladamente de um lado ao outro do quarto já nervoso com a espera que aparentava, como toda espera, ser muito mais longa do que era de fato. Ela era sempre pontual, mas hoje se atrasara por mais de uma hora.
O céu estava avermelhado de tão cinza, tal qual a sua consciência inundada de culpa. O medo de ser abandonado misturava-se indissociavelmente à ansiedade para vomitar seu discurso mais do que ensaiado.
Olhava-se no espelho a fim de ocultar qualquer rastro de culpa, quando bateram à porta.
Ele, sabendo de quem se tratava, abriu sem cerimônia.
Ela, sem guarda-chuva ou indícios da chuva em sua roupa, entra ofegante e solta somente um “oi” pálido, com um olhar enviesado.
Ele diz: - Fica à vontade, vamos conversar. Senta-se a sua frente com pavor de que seu texto lhe fugisse da memória, inicia aquilo que mais estava para um duelo que para um diálogo:
- Bom, eu queria comecar dizendo que...
Interrompendo-o como alguém que se atira na frente de um caminhão, diz: - Não tem jeito, acabou! Vamos nos poupar dos discursos prontos.
- Mas eu juro que ela não significou nada! Foi coisa de momento! Não foi premeditado!
- Não adianta, acabou!
- Não consigo entender, eu sei que errei, me dê uma chance, por favor! Não a conheci intransigente assim...
- Intransigente? Então com isso você quer me dizer que se fosse o contrário, você me perdoaria?
- Sim.
- Você tem absoluta certeza disso?
- Claro, eu a amo, mas você não é capaz de me perdoar, não é?
- Sou.
- Então por que não acabamos com isso de uma vez?
Ele, já com o alívio lhe descendo pelo peito, tenta abraçá-la. Ela o impede e depois de um longo silêncio completa:
- Eu até posso perdoar, mas você não conseguirá. Só precisei atravessar o corredor pra vir até aqui. Dormi com o Marcos, mas se isso te traz algum alívio... ele não significou nada.
- Como você pôde? Ele é um irmão pra mim!
- Eu não pus uma arma na cabeça dele.
- ,,,
- E agora? Dois pesos, duas medidas?
- Saia da minha casa.

Já na rua, ela sentia a chuva molhar seus cabelos e o frio aumentar. Naquela noite, ela não se sentiu melhor como achou que se sentiria.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Dos tratados de amor que se transformam em bilhetes de despedida



Revirando pastas antigas de meu e-mail, encontrei nossas memórias do tempo em que trocávamos carícias em palavras. Encontrei também o pesar crônico que você sempre teve orgulho de estandartizar. Seu sofrimento está expresso em cada pronome, em cada artigo indefinido. E isso me feria tanto que me perguntei diversas vezes se você não superaria nunca aquela perda. Percebi então que os primeiros e-mails eram enormes, praticamente tratados. Depois de alguns meses, meras linhas apressadas, sem conteúdo e carregadas de desculpas para justificar o eco que elas faziam em si mesmas. Assim como nós.
Não fiquei nostálgica, fiquei apenas enraivecida, porque o fim de qualquer amor é irritante.
Decidi não criar mais diretórios para amores pequenos e fracassados. Incluiria todos na pasta Diversos.

sábado, 31 de março de 2012

Faz algum sentido?

Imagem: Escher.

Quando você é objetiva, acaba sendo chamada de insensível ou durona, o que é um equívoco. Dos grandes. Afinal, a diferença entre ser objetiva e não o ser é que, quando você o é, tenta ser coerente, embora saiba que tudo tende à incoerência. E, por esse motivo, acaba dando um sorriso blasé para os acontecimentos e deixa-os acontecer, já que eles fariam isso sem a sua autorização mesmo. O ser objetiva entra aí: aceitar que você faz planos e a vida ri da sua cara. Então entre ser alvo do riso e rir junto, você prefere entender a piada e rir também.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Os opostos não se atraem ou "Eu ando num labirinto e você numa estrada em linha reta" (Moska)



Ela gostava de Chico Buarque, ele de pagode. Ela de cinema alternativo, ele de filmes de pancadaria. Ela adorava teatro, ele, bar. Ela apreciava o silêncio e ele a balbúrdia. Ela tinha um chaveiro da Torre Eiffel, ele adorava torres de cerveja. Ela usava o carro para se transportar, ele para charlar. Ela gostava de música ambiente, ele, de volume máximo. Ela elaborava metáforas, ele ria. Separaram-se em comum acordo, foi a única vez que concordaram.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Do silêncio que ensurdece


Ele sentia aquela dor pontiaguda que antecede uma má notícia. Prostrou-se resignadamente para esperar a tempestade.
Quando ela chegou, com o ar ditador inconfundível das decisões irrevogáveis, e fez menção de falar, ele a interrompeu com um gesto de mão, bateu continência e disse:
- Sim, senhora.
Partiu com os olhos inundados.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dos Diálogos Memoráveis XIX (Edição Especial Dia Internacional da Mulher)



- Ah, mas queres me fazer acreditar que essas coisas de mulherzinha: maquiagem, salão de beleza, manicure e afins não são futilidades?
- Claro que são! Só não entendo o porquê de isso tudo sempre parecer mais fútil do que cerveja, futebol e carros com bancos de couro e caixas de som histéricas e reluzentes.
- Mas nem todos os homens são viciados nessas coisas.
- O mesmo vale para as mulheres.
- É, pensando por esse lado... Tens razão.

sexta-feira, 2 de março de 2012

"Numa separação, aquele que não ama é o que diz as coisas carinhosas" (Rubem Fonseca)



- Você não entende.
- Não mesmo. Como alguém resolve terminar um relacionamento e inicia o discurso com um "eu te amo"?
- Você é mulher demais para qualquer homem.
- Fale por você.
- ...
- E vá embora com essas flores sem sentido.
- Mas eu as trouxe pra você.
- Então vá sem nada nas mãos, exatamente como chegou.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Dos Diálogos Memoráveis XVIII




Duas amigas: uma romântica e uma nem tanto, sexta à noite:

(...)
- É, minha amiga, as pessoas andam tão previsíveis que até eu, que não gosto de surpresas, ando querendo ser surpreendida, só pra variar.
- Nem me fale.
- Eu tenho a sensação de um déjà vu ininterrupto. É tudo sempre mais do mesmo.
- O romantismo está fora de moda, amiga.
- Tu dizendo isso?
- É.
- Ah, não, eu sempre me orgulhei de conhecer a última das românticas!
- Não conheces mais. Juro que se alguém que me tratasse bem e eu gostasse me pedisse em casamento hoje, eu aceitaria. Perdi aquela ideia de que o amor suporta tudo e basta para manter as relações. Não penso mais assim.
- Ei, esse discurso é meu. Nossa, meu mundo caiu.
- Ô, amiga, te frustrei, né?
- É, eu poderia até não ser praticante frequente do romantismo, mas era bom saber que ele estava por aí... Agora não sei o que sobra de bom. Definitivamente mulheres românticas estão saindo de linha. Aos interessados, em breve, só restarão os antiquários. Que triste... Vou ali tomar um cianureto e já volto.
- Dramática!

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A ex-romântica em questão é Vanessa Raiol, que escreve o Mosaico e, inclusive, escreveu um post sobre o mesmo tema, provavelmente, inspirada pelo diálogo acima.
Não consegui linkar, mas aí está o endereço do post (pra copiar e colar na barra de endereços do navegador):
http://mosaicodavanessa.blogspot.com/2012/02/os-opostos-se-distraem-os-dispostos-se.html

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Das correspondências extraviadas


Querido,

Chamo-o de querido por elegância, porque nem sequer um palavrão você merece. Não sei se o pior é você, que tem esse dom macabro de iludir com todo seu discurso bem articulado ou se eu, que mesmo com minha intuição gritando histericamente, acreditei em cada palavra. Suas verdades de fundo de copo são tão clichês que só mesmo uma mulher apaixonadamente burra para não notar que tudo aquilo não passava de uma fórmula sem criatividade e sem o menor pudor em ser lugar-comum. Mas eu aprendi. Entre uma lágrima e outra, entre um soluço e outro, entendi. E você? O que levará de tudo isso além da sua vaidade e egocentrismo crônicos? A diferença entre nós é que eu saí diferente dessa história e você saiu exatamente igual: o mesmo pretensioso e arrogante que acha que com um sorrisinho de canto de boca e uma barba por fazer consegue tudo. Continue pensando assim e me dê o prazer de ver o fiasco que sua vida amorosa será. Espero realmente que você continue sendo o que é, afinal, eu não poderia desejar nada pior.

Agora sim, definitivamente, adeus.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Entrelinhas


- Quando posso ligar para você novamente?

(Não faça cerimônia, entre. Não espere meu consentimento. Invada. Quem toca a campainha nunca surpreende. Aposse-se. Quem pede permissão abre espaço para a hesitação. Deixe-me sem escolha, apenas me tome para si, sem dizer nada.)

- Surpreenda-me.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Das armas letais



Desde criança já anunciava que seria uma mulher das mais orgulhosas. Todas as desculpas que pedira foram sob a coação da mãe. Nunca verdadeiras.

(...)

Amava-o com toda a intensidade possível. Só de pensar em sua vida sem ele sentia um nó na garganta e um calafrio.
Tinha convicção de que a relação não vingara pela teimosia dele. Como todo orgulhoso, ela era mestre em apontar justificativas e culpados.
Não perderam o contato mesmo depois de tanto tempo, mas não chegaram a ser amigos. Ninguém entendia a ligação entre eles.
Em um telefonema ela teve um rompante de coragem e até ensaiou:

- Queria te dizer algo.
- Diga.
- É que...
- Não elabore tanto, tudo que é elaborado demais perde a beleza.
- É que eu queria aquele livro que você estava lendo emprestado. Você já terminou?
- ...

Chorou até dormir, lamentando-se. Não acordou mais.

No atestado de óbito, com a letra ilegível do legista:

Causa Mortis: orgulho crônico.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Dos Diálogos Memoráveis XVII



- Ele me traiu de novo, acreditas?
- Acredito, claro!
- Por que falaste assim?
- Porque ele já fez isso antes.
- Mas da última vez eu disse que não o perdoaria novamente.
- E na traição anterior você disse a mesma coisa.
- ...
- Ele já percebeu que você não tem coragem de romper.
- Mas uma hora eu cansarei.
- Claro. Entretanto, enquanto isso não acontece, ele continua te traindo.
- O que eu devo fazer então?
- Se não estiver pronta pra deixá-lo, nada. Mas também não diz que o fará. Toda vez que você diz que fará algo e não faz, você cai no descrédito. E ele vai usar isso contra você.
- Quisera eu conseguir racionalizar as coisas assim.
- Claro que não conseguirá. Você está envolvida na situação. Quando se observa de fora, tudo é evidente. Tenha certeza de que se fosse o inverso, seria você a me dar conselhos racionais. O amor deixa as coisas turvas.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Meia-noite em Paris


Não basta ser Woody Allen, tem que ser em Paris.

Um filme para todos os apreciadores de artes em geral e dos grandes artistas franceses. Assistam.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012



Quando o mundo se apresenta em preto e branco, sempre haverá algo que colorirá seus olhos.