domingo, 24 de janeiro de 2010

Diálogos Memoráveis XII

Fotografia: Fermina Daza e Florentino Ariza, em O Amor nos Tempos do Cólera.

- Não consigo esquecer você.
- Já faz tanto tempo...
- O que é o tempo? É uma abstração.
- É... pode ser... Mas sou cética. Não consigo crer que algo que foi tão mal vivido, no sentido de ter acontecido de forma tão breve, sobreviva por tanto tempo.
- Eu estou dizendo que sobreviveu. Não basta?
- Não espere por mim. Pode ser em vão.
- Se "pode", não é certo, então espero.
- E se eu disser que será em vão? Assim... categoricamente?
- Ainda assim, tenho uma porcentagem de ilusão reserva que me ressarce da sua certeza.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"É só mistério não tem segredo..."



Fui reclamar da falta de ideias para escrever que chegou junto com 2010, quando, em uma conversa telefônica com uma amiga, cito uma frase que li na Bravo! deste mês. A matéria, capa do periódico, é sobre Penélope Cruz, que, segundo a revista, se consagrou como a grande atriz europeia de nosso tempo, juntando-se às grandes: Greta Garbo, Sophia Loren e Catherine Deneuve. Ao falar das grandes, é citada a seguinte frase da alemã Marlene Dietrich: "Invejo Greta. O mistério é o maior charme de uma mulher. Gostaria de poder ser tão misteriosa quanto ela". Isso me fez pensar e concordar com Dietrich. Claro que ela não se refere ao mistério caricato e cheio de caras e bocas. Não a sedução histérica (aprendi sobre isso semana passada :P). Acredito que ela trata do mistério natural que cada mulher deve ter. Um homem não pode olhar para uma mulher e ver sua alma, ali, às claras. Entendê-la e prever suas reações tenderia ao tédio. Alguns chamam isso de jogo, eu chamo de charme, como a atriz alemã. E não estou aqui fazendo uma ode ao recato feminino, muito menos à moral e aos bons costumes. Até porque o mesmo vale para os homens: alguém que não deixa nada para que eu descubra depois é alguém sem novidade, previsível e sem graça. Isso é algo que aprendi com minha não tão vasta experiência e que gostei de encontrar par nessa opinião.

2010 ainda não me trouxe inspiração, por conta disso, posto aqui um texto com o qual tive total identificação. E me deixou feliz também, porque tenho três fobias, o que quer dizer que ainda estou dentro do limite da sanidade. Deliciem-se com o texto, que para fóbicos é seguramente mais engraçado.

Este é o texto de hoje do blog Vida Breve, que recomendo a todos. Ele tem postagens diárias de grandes e excelentes escritores.


Fobia das fobias
Por: Fabrício Carpinejar

O ansioso tem direito a três fobias. Mais do que isso, é ambição e vira doença.

Eu mesmo é que determinei a medida para não depender de especialistas. Sofro por antecipação, o que me põe a ensaiar a cena para diminuir o sofrimento. Só que organizo eventos para os atos mais minúsculos, dobrando o martírio no fim das contas. Ao invés de sofrer na hora, sofro um dia inteiro pensando na hora que vou sofrer. O incômodo passageiro é um desconforto permanente. Banalidades do cotidiano geram desproporcional tremedeira. No intuito de preveni-las, eu me canso em hipóteses pessimistas, desculpas furadas e boicotes.

Carrego uma postura catastrófica. Sou dramático nas amenidades, sóbrio nas tragédias. Sinto o pânico no lugar errado e no momento errado. Serei tranquilo num deslizamento, numa enchente, num incêndio. Mas perderei a lisura ao não encontrar um livro em minha biblioteca. O fóbico não é o que usa uma lupa para ampliar o tamanho das coisas, mas fixa a lente com tamanha insistência que acaba queimando o que vê com o reflexo do sol.

Meus medos são modestos. Exótico é o Roberto Carlos, que somente executa curvas à direita ao volante (chegará sempre a Brasília).

Irreverente é o compositor Arnold Schoenberg, oposto do Zagallo. Sofria de triscaidecafobia, pavor do treze. Seus raros erros estão concentrados no compasso desse número.

Estranha é a poeta Emily Dickinson. Permaneceu vinte e cinco anos reclusa em sua residência em Massachusetts. Consta o registro que saiu duas vezes do quarto para visitar o oftalmologista.

Existem fobias para qualquer drama. Não há limites no céu. Fobia de estrelas (siderofobia), por exemplo. Imagine o neurótico, que mora sozinho com o cachorro e teria que levá-lo para mijar. Olha a janela, repara o céu espocando brilho e lamenta: hoje não Rex, aguenta aí!

É um museu infindável de opções. Um playground masoquista. Fobia de ficar sentado (tassofobia), que atinge grande parte dos espectadores de Gerald Thomas; ou fobia de espelhos (isotrofobia), como feio deveria possuir, mas desperdicei a chance de cativar a mania na infância. E fobias terríveis, absurdas, indesejáveis inclusive aos inimigos, como de nudez (gimnofobia) e de sexo (genofobia).

Minhas dificuldades ainda não possuem nome científico. Uma delas é dar ré num carro no estacionamento lotado. Que tal apelidar de refobia? O globo ocular distorce a pacata garagem numa jamanta pré-histórica. Dezenas de veículos balançam nas costas do animal, que rosna e me ameaça. Entro na festa ou no restaurante em pânico, antecipando como me livrarei da manobra. Não solicitarei ajuda, é certo, o fóbico não confessa o que incomoda por vergonha. Suportará – em segredo – as alucinações. Tem consciência do ridículo de seu receio. A absoluta incapacidade de nomear engrandece o obstáculo. Ao mesmo tempo em que se cala, pondera que o ambiente inteiro repara nele e aguarda o vexame. Suará frio, umedecerá o rosto no toalete, não conversará nada que preste.

A segunda complicação comigo é a faca no café da manhã (proponho a alcunha de manteigageleiafobia). Meu pai conservava o ritual de me agradar e preparar bolachas com geléia de morango. Antes colocava manteiga em seu pão. Não mudava a ordem do gesto, muito menos limpava a lâmina na transição dos potes. Eu detestava manteiga. Comia a contragosto os resquícios brancos na crosta dura de sal, sem a mínima capacidade de reação, de falar um simples e educado “deixa que eu faço”.

Eu vejo que terminei fóbico pela independência. Sendo mais claro, sou dependente pela ilusão de independência. Acredito que ninguém tem condições e entendimento para me socorrer. Muito menos eu.

De todos os males, o que não suporto de verdade é que ofenda os inofensivos hábitos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Fóbico é um chamado carinhoso e me permite continuar vivendo.

Quem diz que não estou contraindo a fobofobia, o medo das próprias fobias? Já seria um amadurecimento.