quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A fotogenia da tristeza



A alegria, por mais beleza que traga em si, jamais vestiu tão bem a literatura quanto a tristeza. Essa última, evidentemente, sempre acompanhada de seus parceiros indissociáveis: a passionalidade, o desespero e a solidão, também extremamente belos e fotogênicos num álbum literário.
A euforia que a alegria representa, ainda que em maior ou menor escala, jamais será páreo para uma cena de abandono, para a profunda solidão que segue o som de uma porta se fechando, para o pranto visceral incomparável a um choro de felicidade.
O incesto cometido pelas almas-irmãs - literatura e tristeza - é vital e essencial para que a literatura, como arte, atinja, comova, corroa e afete perpetuamente seus leitores.
Estou corroída até a alma. Não há mais salvação. E se houvesse, eu a daria de presente de natal tardio ao primeiro que passasse.

PS.: Em um comentário no Do Amor, Laico Impropério, de Edgar Sollers, eu disse que a tristeza e a literatura são almas-irmãs que cometem incesto - ou algo que o valha. Ele, o Sollers, afirmou acreditar que essa frase mereceria um post. É, eu resolvi acatar a idéia. :)

sábado, 22 de dezembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis VII*



- Por que nos separamos?
- Porque você me pedia em casamento uma vez por semana.
- Muitas mulheres adorariam isso.
- Mas eu não sou uma delas.
- É, és uma das mais complicadas.
- Pode ser.
- Talvez seja isso que a torna tão fascinante.
- Às vezes não sei se você gosta mesmo de mim ou se isso é teimosia.
- Eu ainda lembro do teu cheiro.
- Você é um predador, não sabe lidar com o fato de ter deixado uma presa escapar.
- Teus olhos brilhando... teu suspiro... você dormindo é a visão mais linda que eu tenho na memória.
- Você é um vaidoso... feri seu orgulho quando o abandonei.
- Você feriu mortalmente a minha alma quando me deixou. Mas a porta já tinha se fechado quando eu soltei o choro mais desesperado da minha vida. E você não estava lá pra ouvi-lo. E talvez não ouvisse mesmo que estivesse.

* Baseado em um diálogo, apenas um diálogo...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis VI*



- Você sabe que eu nunca te esqueci.
- Sei?
- Já faz dois anos e isso não muda. Não achas que isso significa alguma coisa?
- Deve significar...
- Mas nada que importe ou que você acredite, não é?
- Não dá pra acreditar em você.
- Esse sempre foi o seu problema.
- Era só você não ter aberto precedentes, que eu não teria razões pra pensar assim, certo?
(silêncio)
- Eu tenho um tesão absurdo por ti, sabes disso, mas juro que não queria te levar pra cama agora. O que eu queria, de verdade, era que nós sentássemos num banco de praça qualquer e tu olhasses pra mim sem esse sorriso irônico no rosto por cinco segundos e acreditasse em algo que eu dissesse.

* Baseado num diálogo irreal.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ego


Parte 3


Júlia entra no carro e se depara com uma rosa sobre o assento. Sorri.
- Você é um dos maiores predadores das rosas vermelhas.
- Mas é por uma boa causa. Só esse sorriso já valeu a pena. As rosas compreendem.
Eles se cumprimentam com um beijo no rosto. Ela sente o cheiro da loção pós-barba, ele do shampoo, do perfume e do hidratante. Perfeitamente diferenciáveis entre si.
Pedro liga o carro.
- Já escolheu o lugar?
- Desde que a vi naquela festa chata, com gente chata.
- Sei...
- Sério! Pensei imediatamente: tenho que levar esta mulher ao meu restaurante preferido.
- Certo, vamos a ele então.
***
O maître puxa a cadeira para Júlia. Ela olha em volta, com admiração. O lugar tem a aparência de um palácio grego, devia ser caríssimo. Se Pedro tencionava impressioná-la, fora bem sucedido. O ambiente era de um luxo esmagador. As colunas suntuosas e os uniformes impecáveis dos garçons fizeram Júlia pensar que deveria ter caprichado mais na produção.
Pedro lia o cardápio com uma familiaridade que lhe pareceu artificial. Júlia poderia apostar que era a primeira vez que ele entrava naquele restaurante.
- Você sempre vem a este lugar?
- Sempre. Desde os quinze anos... meus pais adoravam isso aqui. Eram amigos do dono. Viemos à inauguração. O garçom lançou um olhar risonho em direção a eles.
- Preciso retocar a maquiagem, já volto. Levanta-se e se dirige ao banheiro. Antes de entrar, pergunta ao barman:
- Este restaurante existe desde quando, senhor?
- Completa dois anos no mês que vem.
- Dois anos? Obrigada.
Júlia volta à mesa com um sorriso enigmático, que Pedro nota, mas teme perguntar a razão. Ele a serve do vinho que pediu. Provavelmente a garrafa mais cara do menu. Ele parecia empenhado na tarefa de impressioná-la. Tal pensamento a fez olhá-lo cinicamente e dizer:
- Desde que idade você disse vir aqui mesmo?
- Não lembro ao certo, acho que desde os quinze, ou antes. Mas sem nostalgia... Você esperava as flores?
- Não... na verdade você nem deveria ter o meu endereço.
- É, temos amigos alcoviteiros em comum.
- Eles vão levar uma bronca.
- Vão?
Sorve o vinho e o olha provocadoramente.
***
A caminho do carro Pedro coloca o braço em volta da cintura de Júlia. Com a mão na maçaneta, hesita. Encosta-a ao carro e afaga seus cabelos.
- Não é ético se aproveitar de uma mulher bêbada.
- Eu nunca disse que sou ético.
Beijou-a longamente, pressionando seu corpo contra o dela, ofegante. Júlia o afasta gentilmente com as mãos sobre seu peito.
Pedro posiciona seus lábios junto ao ouvido dela e sussurra:
- Você esteve linda a noite toda. Perfumada, graciosa, atraente... não sabe o esforço que eu fiz pra me controlar.
- Imagino. Agora me leva pra casa?
Ele a olha sem entender. Ela abre a porta do carro, entra e coloca o cinto de segurança.
***
- Se eu me oferecer para entrar, você se ofende?
- Não, mas não aceito. A noite foi ótima, o vinho e o jantar estavam excelentes. O restaurante é adorável e você foi muito atencioso e cavalheiro.
- Posso te ligar?
- Se quiser, pode sim. Boa noite.
O som da porta do carro se fechando e em seguida o da porta da casa dela, que sequer olhou para trás, ficaram ecoando em sua mente. O trajeto para casa foi automático. Não entendera nada. Como ela podia mudar assim em frações de segundo? Talvez fosse melhor mudar a estratégia. Ser gentil demais não funcionara bem.
***
Com o removedor de maquiagem numa mão e o telefone na outra, Júlia narra a uma amiga a sua mais recente peripécia anti-romântica e gargalha.
- É, querida, resolvi experimentar novos métodos. Os antigos já não me satisfazem mais.

Dezembro tem dessas coisas


Eu que sempre fujo dos amigos secretos da vida, resolvi entrar num entre blogs. Não custa se render a algumas fim-de-anices de vez em quando.



O meu amigo secreto é o Luz de Luma, yes party!. Eu nunca havia estado lá, mas se você gosta de política, economia, é o lugar ideal. Há também posts sobre amenidades, impressões pessoais e afins. Um lugar interessante, cheio de links e coisinhas para emendar o caminho.

Quem me tirou foi o povo do Toscos e Ralados, e o comentário foi feito aqui. Obrigada, meninos, vocês foram criativos e muito fofos.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Aliterácio


O mar
Ah, mar...
Amar.
Martírio
Mar lírio.
Amortecer
Amor tecer.
Amortizar
A morte usar.

Muito
Luto
Maus
Meus.


PS.: Agradecimentos a Luciana Vasconcelos pela sugestão de uma das palavras que eu, obviamente, não vou lembrar qual. :P E também ao palestrante que discursava na hora em que eu escrevi o poema, se estivesse interessante a sua fala, eu não teria me distraído e escrito nada. :D

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Melancolia


(Fotografia de Eduardo Trindade, colhida no site Olhares.com, de título Ad infinitum. Edu, espero que não se importe, sei que não pedi permissão, mas era pra ser surpresa mesmo.)


Ontem, saindo do trabalho, vi uma moça sentada na calçada, com a cabeça baixa, soluçando. Um soluço daqueles que independe de nós, que saem sem nos consultar e sacodem nossos corpos descontroladamente (e não estou falando de sexo). Depois, ainda no mesmo quarteirão, um moço com um olhar de cortar o coração, triste de doer a alma de quem cruzasse os olhos com os dele por meio segundo. A seguir, um casal brigando. A moça estava com ar de indignação e de quem é portadora de uma inquestionável razão. O rapaz, de olhar baixo, me deixou confusa entre uma confissão de culpa ou aquela clássica estratégia de dar razão ao outro para abreviar a discussão.
Parado no sinal, um taxista ouve “Solidão é lava, que cobre tudo...”. Um clima de melancolia generalizado... Olhei pro céu: nublado. Chego em casa. Não tem energia elétrica. Acendo umas velas, incenso e um cigarro, que não sei de onde tirei, já que não sou fumante, mas foi muito oportuno, a ocasião pedia um cigarro. Sempre achei fumaça e fogo fascinantes. Rendem boas fotografias.
Toca o telefone. Um amigo que eu não falava há meses. Duas horas de conversa animada, risadas, lembranças, risadas, notícias e mais risadas. Desligamos. Entretanto as risadas não apagaram a contagiante melancolia coletiva... Entristeci. Ao menos aquele resto de dia. Por todos os tristes que vi. Contemplo a vela, a sombra que projeta na parede. O incenso já cheira a tristeza. A fumaça faz movimentos cabisbaixos. As sombras parecem esperar por algo. Choro.