domingo, 31 de agosto de 2008

No fundo era uma romântica. Apegava-se a cada cliente como se fosse o último. O que a tiraria daquela vida que só era fácil para quem via de fora. Nos olhares de desejo sempre procurava alguma entrega. Algum brilho. E por vezes o via. Ao final da noite, entretanto, percebia que projetara o brilho dos seus olhos no do outro e que não era nada. Voltava para casa desgrenhada, com os sapatos nas mãos e a maquiagem borrada. O que a fazia levantar no dia seguinte eram as novas tentativas. Vira um filme ou dois em que isso acontecia. Embora com suas colegas nunca tivesse acontecido, preferia achar que ela viraria estatística. Gostava de se achar uma exceção. Todavia, as marcas de expressão e os sintomas da velhice já se esfregavam na sua cara. Tinha pressa. Os clientes já não eram tantos, os preços dos programas passaram a ser negociáveis, dava descontos, achavam caro sempre. Tudo aquilo a irritava. Os saltos acabavam com a coluna. As roupas coladas demais incomodavam. O tom louro-cabaré dos cabelos já a aborreciam quando ia de manhã comprar pão e leite, combinavam apenas com a noite. Pagou contas, foi à creche deixar o filho e dar a parte do cafetão, que a esbofeteou dizendo que ela não conseguia nem pagar o aluguel do quartinho que usava. Voltou para casa para maquiar o hematoma que aquele puto deixara no seu rosto. Já havia pedido que ele batesse só em partes que não marcam, afinal, era seu instrumento de trabalho. Tentou ir uma vez à delegacia, mas os policiais passavam a mão nela e faziam gracinhas. Conformou-se, então, com sua sina e no dia seguinte reiniciaria sua procura eterna com aqueles olhos que não perdiam o brilho nunca e que agora se fechavam para descansar.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Indicações Literárias

Eu tento ser só ficcional e não transformar o Fragmentos em um blog de utilidade pública, mas às vezes eu não consigo. Tenho que recomendar dois livros a vocês. Eles são até bem conhecidos, reforçar, todavia, nunca é demais. Não vou falar muito sobre eles para que haja espaço para as surpresas. Vocês precisam me prometer que lerão esses dois antes de morrer. Vamos, descruzem esses dedinhos que eu estou vendo!

Ei-los:

1.Recentemente adaptado para o cinema... estreará em breve. Ainda dá tempo.
Para quem gosta de livros densos e fortes, daqueles que nos tiram a calma e demoramos a dormir depois que o fechamos... este é O livro.

2.Uma história de amor como só a ficção nos dá. Contém imagens lindas, frases inesquecíveis e reflexões que nos permitem transcender ao romance. Também adaptado para o cinema. Esse já está nas locadoras. Ao menos acredita-se que sim (não é, Lúcia?).

O Amor nos Tempos do Cólera, Ensaio sobre a Cegueira e A Insustentável Leveza do Ser - que já indiquei num outro momento - formam a tríade dos meus livros preferidos, por isso, eu precisava citá-los. A ficção volta no próximo post. Fechando os parênteses.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Das indignações



- Olhe para esse quadro e diga o que sente.
- Nada.
- Agora olhe para aquela escultura.
- Continuo não sentindo nada.
- Escute essa música...
- Nada ainda.
- Então agora pegue essa arma, coloque na boca e aperte o gatilho.

[Sempre odiei pessoas que não conseguem sentir a arte. Uma pessoa que olha para uma obra de arte e parece estar olhando para uma parede não merece viver. E tenho dito.]

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Meu querido,

Fiz questão de sair antes dessa carta chegar por um objetivo claro: evitar dramalhões. Você sempre foi dado a uma carga de dramaticidade maior do que eu conseguia suportar. Assim como você nunca suportou a minha praticidade e entendia a minha falta de paciência para romantismos como insensibilidade. Pode ser que seja. Na verdade,deve ser mesmo e que diferença isso faz agora? Mandei essa carta até por um mensageiro. Viu que romântico?!
E tudo isso para dizer que eu te amo. Mas nossos problemas de convivência são maiores que nossos sentimentos.É triste, mas nem toda história de amor termina com sorrisos e mãos dadas num dia ensolarado. Até porque eu detesto dias ensolarados e suas mãos suam muito, me incomodam. Já parou para pensar no quanto implicamos um com o outro? Não conseguimos entrar em consenso nem pra tirar umas simples férias. Eu querendo ir para o leste europeu e você para a América Central. Pois bem... agora cada um vai para onde quiser. Isso não é bom?Adeus, meu amor... foi bom.
...

Ok, ok... eu estou blefando (sei que você odeia quando eu faço isso), fui ao supermercado comprar chá. O de camomila acabou. Já volto. E se você não estiver com cara de choro quando eu chegar, vou ficar muito, muito frustrada.

Eu te amo.

Beijos, meu bem.

Carmem.

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A B., do Devaneios & Loucuras, criou uma série de entrevistas com donos de blogs amigos. Recentemente estive na berlinda. A quem interessar possa, eis a entrevista:
http://devaneios-loucuras.blogspot.com/2008/08/entrevistando-j-oliveira.html

domingo, 17 de agosto de 2008

Conto sem fadas



- Então aquele ar de príncipe encantado era só pra me conquistar?
- Claro, ou você acha que alguém é assim o tempo todo?
- Gostaria que fosse.
- Você tem mais de 30 anos e ainda quer que eu apareça num cavalo branco, diga que, enquanto você estiver comigo, não vou deixar que nada te aconteça e que seremos felizes para sempre?
- Quero.
- Ah, dá um tempo...
- ...
- Vou comprar cerveja, quer alguma coisa da rua?
- Uma maçã envenenada.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Diálogos Memoráveis XI*


- Eu estive pensando... será que eu sou uma psicopata?
- Por quê?
- Porque os meus textos sempre têm finais tristes, dramáticos, violentos, sádicos...
- Nada, menina!
- Achas?
- A violência é parte da essência humana. Ela tem que ser extravasada de algum jeito. Portanto, tenha medo de quem escreve contos de fadas.

* Baseado num diálogo com uma amiga psicóloga.

sábado, 9 de agosto de 2008

Diálogos Memoráveis X*

Quando fala ao meu ouvido sinto como se pusesse minha alma em um copo e a bebesse em pequenos goles. A coisa mais excitante que já ouvi saiu dos seus lábios:

- Ora quero fazer amor contigo, ora quero te foder à força.

Desfiz-me.

* Baseado num diálogo virtual.