sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis V*



Sexta-feira à noite, sem grandes e boas propostas de diversão, ela resolve fazer o programa dos solitários: pega duas garrafas de prosecco que ganhara de presente de uma amiga no aniversário, uma taça e liga o computador. Começa a beber, ler algumas coisas, rir mais descontroladamente de outras, responder emails com mais desinibição que o normal, com um humor mais ácido do que quando está sóbria (não que ele já não o seja). Quando ela está abrindo a segunda garrafa, eis que surge uma janelinha com aquele aviso: ELE entrou.
Com um sorriso no canto dos lábios, ela o cumprimenta, falam de amenidades a princípio. Mas ele estranha:
- Você está bem?
- Estou. Por quê? Não pareço bem?
- Não sei... me parece meio diferente hoje.
- Diferente pra melhor ou pra pior?
- Ah, diferente.
- Defina diferente.
- Mais soltinha, acho.
- Hum... é que eu já estou na segunda garrafa de prosecco.
- Estás bebendo com quem?
- Sozinha.
- Sozinha? Interessante...
- É?
- É, é sim... já estás com ar de bêbada.
- E estou.
- Humm... se eu estivesse aí perto pra me aproveitar dessa sua embriaguez...
- Mon cher, você não precisa disso não...
- Não?
- Não, claro que não... pra você eu daria sóbria, não precisarias me embebedar.
- Nossa... essa vai entrar pro hall das frases memoráveis que já ouvi de uma mulher.
- Guarde essa. Porque pra dar pra você eu não preciso estar embriagada, mas pra dizer isso, assim, a seco sim... Não falemos sobre isso amanhã.

* Baseado num diálogo virtual, desta vez.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Escritores da Liberdade



Muito lindamente, a Mila, do Caixa de Sapato, me indicou para o prêmio Escritores da Liberdade. Devidamente agradecido o prêmio, me resta indicar outros dez blogs para que também sejam donos do prêmio.

Vamos a eles, em ordem alfabética:

Cena 7, de Lúcia Ramos, que traz textos de uma beleza ímpar e de uma sensibilidade invejável;

Devaneios & Loucuras, da B., que já é portadora de vários prêmios, mas desse ainda não. :D Escreve textos que mexem com nossos instintos mais sacanas e humanos;

Do amor, laico impropério, Edgar Sollers, autor de textos hipnotizantes, de finais surpreendentes e de uma força incrível sobre o leitor;

Etc..., de Sebastião Moura, que tem atualizado pouco (é, é uma bronca), mas vale muitíssimo a pena conferir. São textos sobre tudo e sobre nada, muito bem escritos e sempre criativos;

Mulheres Sob Descontrole, de Samantha Abreu, que escreve também em outros blogs - que estão, inclusive, entre os meus indicados -, mas essa série é uma das minhas preferidas, são mulheres de todos os tipos, menos "normais";

No Balaio, escrito por Samantha Abreu, Anderson Loff, Rafael Avansini e Ricardo Lima. Tratam de arte nas mais variadas formas: literatura, música, cinema, teatro e o que mais ocorrer;

Onabru urbanO, projeto idealizado por B., que consiste num romance escrito a quatorze mãos. As mãos são: as da própria B., Caroline Bigarel, Laura Inafuko, Milene Maciel, Paulo Fernando, Sebastião Moura e Thiago Kuerques;

Sim, senhora!, escrito pelas jornalistas Jô Beckman e Lari Nakao, muito bem escrito e bem humorado sempre;

Strawberry Fields, de Gabriele Fidalgo, com textos lindos e tocantes, além de muitíssimo bem elaborados e de uma literariedade bastante peculiar;

Versos de Falópio, escrito por sete mulheres e suas crias poéticas, segundo as próprias. E que, como elas mesmas descrevem, geram o óvulo veemente, concebem o verso, um filho... Lindo demais, é pra ser blog de cabeceira, tem postagens diárias, cada uma delas é responsável por um dia da semana. Espetáculo. As mulheres que compõem o septeto são: Juliana Hollanda, Karla Jacobina, Samantha Abreu, Gabriele Fidalgo, Laís Mouriê, Syssy Virtuale e Martha Galrão.

Nossa, que difícil... resolvi usar praticamente os mesmos critérios da Mila: blogs que são escritos com sensibilidade, naturalidade e criatividade, além de não fazerem parte da corrida por mais comentários e visitantes.

Não esqueçam que quem foi indicado deve indicar outros blogs para o prêmio também. Só acho que o número de indicados deveria cair pela metade. São vocês que sabem...

domingo, 25 de novembro de 2007

Ego

Parte 2


Conheço este tipo de mulher que pensa que consegue dobrar todos os homens, pensou enquanto ligava para a floricultura. Ele adora desafios. Sente-se doentiamente tentado a mostrar que pode conseguir o que quiser. Não que isso seja uma verdade, mas não lhe custa almejá-la. E, afinal, ele nunca fora muito adepto da humildade e menos ainda da modéstia, no máximo da falsa modéstia. Era dono de um donjuanismo barato, que beirava a pieguice. Ele sabia disso. Mas, enquanto funcionasse, não precisaria mudar.
Acordara inspirado. Havia escolhido uma presa interessante: uma mulher sofisticada, balzaquiana, que consegue falar sobre qualquer assunto sem se embaraçar, ainda que não seja profunda conhecedora na área, disposta, disponível aparentemente e com o dom supremo de iludir, afeita à condição de apaixonante, não de apaixonada. Se ele acreditasse em almas gêmeas, diria que ela é a sua. Tão semelhantes, com as mesmas intenções, seria uma luta difícil, mas não desleal e, por isso mesmo, muito excitante. De igual para igual. Um duelo entre egos. Entre mestres.

- Bom dia, eu gostaria de mandar um buquê de rosas vermelhas.
- Quantas rosas, senhor?
- Duas dúzias.
- Certo... preciso dos endereços do destinatário e de cobrança e outras informações...
- Ok, mas, antes disso, escreva algo bonito no cartão. Não interessa o quê, apenas impressione. E no final convide para um jantar. Hoje à noite... É, é isso.

À tarde, ele liga a televisão, assiste a um programa sem atenção. Abre uma revista com a mesma concentração que dedicou à tevê.

- Alô?!
- Oi...
- Sim?
- Você recebeu as flores?
- Flores? Ah, as flores... recebi sim. Obrigada.
- Você gostou delas?
- Muito, são bem bonitas.
- E o convite no cartão? O que você me diz?
- Hoje à noite, não é? É... aceito.
- Então passo pra te buscar... às 20h, tá bom assim?
- Tá, estarei pronta.
- Até mais tarde.
- Até.
Desliga e sai cantarolando uma música antiga que não lembra onde ouviu, mas que tem certeza de que ficará em sua cabeça nos próximos dias.

Quarenta minutos antes do horário combinado, ele entra no banho. Faz a barba, arruma os cabelos, analisa-se, com um ar vitorioso, diante do espelho.
Liga o carro e dirige-se à casa de Júlia. Ao chegar, aguarda alguns instantes. Buzina.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Correspondência


Meu querido,

Lembro com uma clareza incomum de nossas conversas, nossos olhares tímidos no começo, os sorrisos que diziam muito e nos divertiam menos do que encantavam. Dos ciúmes bobos e infantis que nos cegavam para a beleza das outras coisas. Lembro do quanto você se divertia com meus presentes enigmáticos que você só ganhava se os desvendasse. Os livros que nos demos e emprestamos, esses eu tenho até hoje, numa prateleira especial. Cuido deles como de filhos, animais de estimação ou algo que o valha.

Recordo-me, não sem dor, do quanto fomos felizes. As viagens que fizemos, as fotografias que tiramos... um dossiê de uma vida. E quando penso em tudo isso, me pergunto como você pôde me abandonar... deixar tudo que você dizia amar e querer para sempre. Por isso eu não te perdôo. Perdôo você pelas brincadeiras infames em horas impróprias, pelas risadas nos meus momentos de mau humor, pelas vezes que me acordou de madrugada para jogar xadrez porque estavas insone, pelos livros que me pediu emprestado e não leu, pelo meu cd preferido que você deu de presente a um amigo e por tantos outros pequenos delitos.

Você sabe que mereceu isso, não sabe? Eu avisei que não toleraria ser abandonada. O seu problema foi nunca ter levado a sério. Estou indo ao cemitério te deixar flores, como faço todos os anos. Comprei copos de leite, sei que você gosta. Esta carta vai acompanhá-los. Não é a primeira, mas talvez seja a última. Conheci um rapaz. Ele parece interessante, gosta das mesmas coisas que eu, tem planos semelhantes... acho que temos potencial para dar certo. Se no ano que vem não chegarem flores para você, é porque eu me mudei. É possível que eu vá morar em Istambul. Surgiu uma boa proposta de emprego lá, estou analisando. Ele se ofereceu para ir comigo. Talvez eu aceite.

Adeus, querido.

Feliz aniversário.


Sua Elfa.


quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Ego


Parte 1

Seria digna de um lugar no Guiness se conseguisse contar quantas vezes havia feito aquilo, ela pensou. Estava nua sobre a cama, com os pés cruzados e as pernas levantadas, fazendo um triângulo retângulo com a parede. Olhou as flores sobre a escrivaninha. Resolveu que iria mudar. Mudar drasticamente. Seria uma mulher de família, teria um marido, filhos e tudo que isso implicasse. Ficou entediada só de pensar. Respirou fundo. Ergueu-se e foi tomar uma ducha.
Durante o banho o telefone toca insistentemente. Ela sai molhando todo o quarto, enrolada numa toalha encharcada.
- Alô?!
- Oi...
- Sim?
- Você recebeu as flores?
- Flores? Ah, as flores... recebi sim. Obrigada.
- Você gostou delas?
- Muito, são bem bonitas.
- E o convite no cartão? O que você me diz?
- Hoje à noite, não é? É... aceito.
- Então passo pra te buscar... às 20h, tá bom assim?
- Tá, estarei pronta.
- Até mais tarde.
- Até.
Volta ao banho cantarolando algo ininteligível. É, até que poderia ser boa idéia. Passa a tarde toda pensando na melhor maneira de fazer o que mais sabe: iludir. Olhar tímido, sorriso jovial, achá-lo extremamente engraçado e, por fim, não convidar para entrar no primeiro encontro. É, deve ser suficiente por enquanto... Não. Ela havia decidido tentar fazer diferente desta vez. Mas e a diversão? Melhor esperar para ver como as coisas se encaminham. Quem sabe ele a convence a mudar. Parece interessado. Sorri, desdenhosa. Seu prazer ao ver um homem sofrer por ela, implorar que ela não o deixe é quase equivalente a um orgasmo. Só não há equivalência porque é melhor.
Deita-se, contempla com um olhar perdido o teto. Abre um livro. Dorme.

Às 19:30 está arrumada, maquiando-se. Prende os cabelos, solta... nada a agrada. Resolve ir com eles soltos e sem grande produção. Olha-se. Parece bem. Finaliza a sombra e o batom. Perfuma-se. Não muito, para não sufocá-lo e nem a si mesma. Ainda é cedo. Dirige-se à cozinha. Abre a geladeira. Morde uma maçã.
É quando, então, ouve uma buzina. Apanha as chaves sobre a mesa, a bolsa e apaga as luzes.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis IV*



Eram namorados, amantes, apaixonados. A grande diferença de idade por diversas vezes foi o mote de brigas. Ele, aos 41 anos, queria sossego, estabilidade e segurança. Ela, aos 20, queria apenas viver, sentir, experimentar, ainda que o mesmo homem, de várias formas, pelo tempo que julgasse agradável.
Ele muitas vezes insistiu que as pessoas olhavam diferente para eles na rua. E ela sempre respondia que não sabia, porque não olhava para elas, apenas para ele e, no começo, para o chão, para não tropeçar. Até descobrir que era uma preocupação vã, ela não corria esse risco, flutuava quando estava com ele. Ele sorriu, descrente.
Certa noite, sem nenhuma data especial, ele resolveu dar-lhe flores de presente, preparar um jantar, luz de velas, tudo... perfeito. Quando já estavam na cama, ofegantes e com a garrafa de vinho tinto vazia ao lado da cama, ele disse:
- Espera, eu vou buscar uma coisa.
Ela se senta na cama envolta pelo lençol.
- Pronto.
Ele pega uma das mãos dela, olha no fundo dos seus olhos e diz:
- Casa comigo?
Abre uma caixa com um par de alianças. Ela o olha com um olhar interrogativo.
- Eu quero ter filhos contigo.
Ela levanta da cama, começa a se vestir, fita-o com os olhos marejados. Coloca a mão no seu rosto, dá-lhe um beijo sofrido.
- Eu te amo. Muito. Mas você conseguiu estragar tudo.
Sai. Bate a porta. E nunca mais volta.

* Baseado num diálogo muito, muito real.

domingo, 11 de novembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis III*


Eles mal se conhecem, mas cada vez que se encontram passam tantas horas conversando, que não notam o tempo passar. O sol se põe, as pessoas das mesas vizinhas pagam suas contas, se retiram, outras chegam, passam longo tempo, vão embora e eles nem percebem.
Relacionamentos são sempre tema básico em qualquer conversa, eles, obviamente, não tinham pretensão de ser exceção:
- Que tipo de mulher te atrai?
- Não tem muito um tipo físico, mas precisa ser interessante, ter o que dizer. E tu? Que tipo de homem te interessa?
- Ah, também não tenho um estilo de homem. Se for inteligente já tem grandes chances. É claro que fisicamente deve haver algo que me chame a atenção, nada em específico, em cada um eu identifico algo próprio. Mas homem tem que ter cara de cafajeste.
- Como é cara de cafajeste? Pergunta, rindo.
- Se eu falar vou ficar com vergonha.
- Ah, fala...
- Não, não... vou ficar sem graça.
- Por favor...
- É assim... Ela indica ele próprio.
- (Enrubescendo) Somos dois com vergonha então. Disse ele baixando os olhos, com um sorriso tímido.
- ...
Curto silêncio.
- Errr... então, vamos mudar de assunto. Ela diz, sorrindo.
- É...

(...)

* Baseado num diálogo tão real quanto os demais.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Catalepsia




Meu coração está de férias.
Férias retroativas.
Ele e eu resolvemos deixar o Amor em paz,
dormindo profunda e mansamente
ao lado de seus companheiros inseparáveis:
o Ciúme, a Posse e a Mágoa.

Assim eles não me tiram o sono,
nem meu tempo,
minha sanidade...
E deixam meus pensamentos livres
Livres para o ócio criativo.

Relações leves têm sua beleza.
E suas vantagens.
Fico com elas por tempo indeterminado.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A Última Vez

- Você sempre faz isso! Mesmo sabendo que me magoa...
- Cláudio, foi você mesmo que propôs que nós abríssemos o nosso relacionamento. Você não sabe o que quer!
- Eu sei perfeitamente o que eu quero. E definitivamente não é ir ao meu restaurante preferido e encontrar a minha mulher jantando com outro cara. Tanto restaurante nessa merda de cidade! Por que o que eu mais gosto?
- Ele que propôs.
- E você não sabe dizer não?
- Por que iria dizer não? Quem estava cansado e sem disposição pra sair hoje?
- Mudei de idéia, ora!
- E eu tenho bola de cristal? Desenvolvemos o poder de nos comunicarmos por telepatia?
Ele senta no sofá com a cabeça entre as mãos. Chora.
Ela se aproxima. Abraça-o.
- Eu não quero mais isso. Não assim.
- Então vem aqui que a gente faz de outro jeito.
Ela tira o vestido e se deita no chão. Está só de lingerie. Preta. Contrastando lindamente com a sua pele muito branca. Olha-o, provocante.
Ele a fita com um olhar sofrido. Apanha seu paletó no espaldar de uma cadeira próxima à sala. Bate a porta sem olhar para trás. E desce pelas escadas, desnorteado. Chora copiosamente, prometendo a si mesmo, pela décima quarta vez ser essa a última vez que ele tolerou as inconstâncias e perversões dela e que nunca mais a procurará. Nunca mais.
No dia seguinte, eles jantam juntos e apaixonados no mesmo restaurante de costume, o preferido dele:
- Que bom que você parou com aquela bobagem.
- Bobagem não... E saiba que foi a última vez. A última.
- Sim, claro. A última...
Ela sorri e dá-lhe um beijo.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Dos Diálogos Memoráveis II*


Ela sai para assistir a uma programação cultural, está a caminho da casa de uma amiga que irá acompanhá-la. Ao parar no semáforo, canta com empolgação a música que toca no seu carro, batuca no volante, realmente sentindo a música. No carro ao lado, um homem a observa, divertido. Ela sente que está sendo observada. Olha para o lado e vê aquele sorriso iluminado. Enrubesce. Sorri timidamente. O sinal abre.
No próximo semáforo, ele consegue emparelhar novamente com ela. Sorrisos, olhares tímidos dela. E perturbadores dele.

- Você conhece a música Sinal Fechado?
- Conheço, mas... "Vai abrir..."
- "Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa, rapidamente". Joga seu cartão para dentro do carro dela. "Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí."
- "Pra semana, prometo talvez nos vejamos. Quem sabe?"

E o sinal abriu.
.
* Também baseado num diálogo real.