sábado, 26 de abril de 2008

Audácia


- Com que direito você me olha desse jeito, me faz ver romance em tudo e rasga a minha calma em quatro pedaços assimétricos e a verte sobre o chão indigno? O que lhe dá o direito de colocar novamente essas mãos grandes sobre mim e me fazer parecer tão pequena? Quem você acha que é pra me presentear com esse sorriso que eu sempre adorei e achava que não adorava mais? Que espécie de pretensioso é você que acha que pode levantar acampamento no meu coração?

Precisa de mais um cobertor?

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Top Huit


O mocinho do Gamella me encarregou, junto a outros companheiros de blogs, de elaborar uma lista de oito coisas que eu pretendo realizar antes de receber a indesejada visita da senhora da foice.

Vamos a ela:

1. Viajar pela Europa e pela América Latina com uma mochila nas costas. Visitando países atraentes e de cultura interessante com boas companhias (sozinha também seria legal);

2. Ler os livros que sou frustrada por não ter lido ainda e todos os outros que ainda surgirão e me derem vontade;

3. Morar em Paris uns meses, uns anos ou umas vidas;

4. Fazer pós-doutorado e ser professora da Universidade de Coimbra (tá, eu exagerei);

5. Ser dona da segunda maior biblioteca particular do país (eu não teria a pretensão de derrubar o Midlin);

6. Aprender decentemente francês;

7. Saber pintar;

8. Levar minha mãe a Veneza (essa tem que ser à parte).

Bem, acho que eu não sou tão ambiciosa assim, não é? Ah, são coisas simples e egoístas, uai. Gostei da brincadeira. Eu teria que passar a mais alguém, mas quem quiser fazê-lo, fique à vontade.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Dos casos mal resolvidos


Parte III

E junto às alianças, cansava-se também a relação, que envelhecera precocemente, como um portador de progeria. Isadora já se machucava ao dizer não a Lucas. Enquanto ele sentia uma vontade maior que si de vê-la transitando em sua casa com roupas íntimas confortavelmente ao acordar com os cabelos lindamente desgrenhados.

- Acho melhor a gente terminar.
- Terminar? Você só pode estar brincando. Acabei de ouvir ao pé do ouvido que você me ama...
- E amo.
- E então?
- É uma questão de bom senso, Lucas.
- Como você pode pensar em bom senso quando o assunto é sentimento?
- Você quer uma coisa, eu outra. Estamos nos maltratando com isso. Eu não posso te dar o que você quer e nem você o que eu quero.
- Você é tão programada! Segue sempre alguma espécie de lógica em tudo que faz, coisa mais irritante!
- Lucas, quantas vezes brigamos nas últimas semanas?
- Muitas, mas isso faz parte das relações humanas.
- Não pra mim. A gente não entende o que o outro diz.
- Quem sabe com esforço.
- Eu não quero mais.

Disse isso e pegou a bolsa sobre a mesa, bateu a porta. Saiu soluçando pelo corredor ecoante. Nas escadas já não conseguia controlar o soluço que a sacodia convulsivamente.

Ele não tirava os olhos da porta. Sentou-se no chão da sala e chorou. Prometeu a si mesmo que não a procuraria.

Isadora jamais o procuraria, era orgulhosa demais para admitir que se arrependera e que queria voltar atrás. Embora soubesse que uma semana depois a tormenta recomeçaria pelos mesmos e velhos motivos.

Percorrendo seu caminho habitual do trabalho para casa lentamente, lembrou-se do dia em que saíram para jantar e na volta para casa não queriam se separar. Lucas estacionou o carro e a conduziu pela mão àquele banco de praça, que ela agora contemplava, no qual permaneceram por horas consecutivas, horas em que o tempo parecia em suspenso. Cada canto daquela cidade lembrava Lucas direta ou indiretamente.

........

Passados seis meses, Isadora abre um jornal a caminho do trabalho dentro de um táxi. A foto em preto e branco de Lucas de fraque ao lado de uma moça com um buquê de rosas brancas nas mãos a paralisa. Sai do transe com a mão do motorista do táxi no seu ombro perguntando se ela vai demorar a descer, lembrando-a de que o taxímetro está ligado.

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Eu não esqueci da minha missão, viu, seu Gamella? A próxima postagem é dela. ;)

sábado, 12 de abril de 2008

Reflexões de porta de igreja



- Filhos... choradeira... marido reclamando... salário que não paga metade das contas... jornada tripla, quádrupla... pensava a noiva.
- Vamos, minha filha... a marcha nupcial já começou a tocar.
- Não, pai. Explique aos convidados que eu fui pra lua-de-mel. Sempre quis conhecer Budapeste. Ah, e diga ao noivo que eu peguei a passagem dele emprestada, vou levar uma amiga comigo. Eu mando o dinheiro de lá.
- Mas...
Ela já havia entrado num táxi.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Monólogo


- Quando ele puxa os meus cabelos para trás é a sua voz que eu escuto se desfazendo em sussurros pervertidos. É a tua mão que sinto apertando as minhas coxas. Ainda me toco à noite antes de dormir lembrando-me como era ter você entre minhas pernas. Para só então dormir profunda e mansamente. E me frustrar no dia seguinte ao constatar o vazio vitalício da cama infinita.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Dos casos mal resolvidos


Parte II

Um mês depois daquela noite regada a declarações de tempos distantes, sentimentos escondidos até de si mesmos e superegos pleonasticamente repressores, os dois formavam um típico casal de apaixonados com direito a telefonemas-relâmpago para dizer apenas que pensara no outro ao longo da correria do dia, bilhetinhos por toda parte, olhares brilhantes, mãos dadas e semi-sorrisos solitários e repentinos ininteligíveis e, na maioria das vezes, imperceptíveis aos demais.

Isadora nunca se relacionara com alguém com tamanha experiência de vida. Lucas se assustava com a diferença de idade, mas não conseguia parar de olhá-la e imaginar como seria um filho deles dois. Queria que tivesse os olhos e os cabelos dela. E a gargalhada também.
Ela o via como o melhor homem do mundo. Achava-se a sortuda das sortudas. Ele era um achado.

- Casa comigo?
- Hã?!
- A gente tá junto já tem dois meses e eu tenho certeza de que é você. Pra quê adiar mais o que pode ser tão bom?
- Eu não tenho nem emprego, Lucas! Casar?
- É, e ter filhos! E eu ganho bem, dá pra nós dois.
- Não, mas não é assim simples.
- Por que não? Eu peço transferência pra outra cidade que pague mais e tenha um custo de vida menor, tu vais comigo.
- Não, não vou.
- Se você gostasse mesmo de mim iria...
- Se você gostasse mesmo de mim ficaria.
- Temos um impasse?
- Não. Eu não vou me casar com você. Tenho dezenove anos, isso é demais pra mim.
- Você vai sempre se esconder atrás da sua idade?
- E você da sua? Alegando sempre que está numa idade que te faz precisar de estabilidade e blá blá blá? As coisas não precisam ser assim tão sérias.
- Então é uma brincadeira pra você?
- Não, mas também não precisa se transformar num casamento.
- Ok. Vou te levar em casa.
- ...

Ainda no estacionamento do prédio dele se abraçaram, choraram, pediram desculpas e subiram novamente para dormir abraçados sem dizer palavra.

Passaram um ano às voltas com tais questões: ele a pedindo em casamento periodicamente acreditando que a venceria pelo cansaço e ela se esquivando como podia sem magoá-lo. As alianças que ele comprara começavam a ficar cansadas e opacas...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Aclive / Declive

- Rasgue a minha alma, a minha calma. Transtorne o meu tédio, o meu sexo. Não me deixe dormir. Me hipnotize. Escravize. Me queime numa fogueira santa. Faça de mim a sua via crúcis. Quero ser o próprio anti-cristo. E depois de tudo me deixe largada no chão, abandonada por cinco instantes. Em seguida me dê a proteção dos seus braços. A sua voz-calmante. Gosto de me sentir a última e a melhor das mulheres.



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Depois não querem que eu fique metida, olha só o selo que a Mila me deu!

Obrigada, d. Mila. :) É um dos selos mais lisonjeiros que recebi até hoje.
E ele vai para: