
Parte IEla estava a trabalho naquela cidade. Uma semana. O prefeito disponibilizara a ela um quarto em uma casa da qual alugava quartos para funcionários da prefeitura. Achou que seria melhor do que o isolamento de hotéis. Até porque a cidade não tinha muitos.
A chave parecia não ser daquela porta. Irritada e cansada da viagem de mais de quinze horas, de barco, sentou-se sobre a mala e colocou o rosto entre as mãos.
- Quer que eu tente pra você?
- Por favor.
- É assim: você levanta um pouquinho a porta e ela abre.
- Eu não vou esquecer disso. Obrigada.
- Você é a professora de fora?
- Ah, eu já sou notícia? Sou eu sim. E você é o arquiteto da cidade, que disseram ser meu vizinho de porta?
- É, sou eu.
- Por que o arquiteto da cidade? Os outros não contam?
- Sou o único arquiteto desse lugar.
- Jura?
- Você veio para o fim do mundo. Não te avisaram?
- Acho que não. Mas o fim do mundo não há de ser tão ruim. Tenho até um arquiteto como vizinho.
- Rs. Já almoçou?
- Não.
- Você se instala e almoçamos juntos?
- Aceito. É bom que você me fala mais do que se faz no fim do mundo num final de semana. Descobri que hoje é feriado e que não há a menor possibilidade de começar um curso hoje. Não dá pra competir com santos. A cidade está eufórica.
- É festa do santo padroeiro da cidade. Aproveitamos o almoço pra você me dizer sobre o que será o curso que veio ministrar. Vai que eu me interesso e viro teu aluno.
- Quem sabe? Até mais.
- Até.
Não sabia que santo era aquele, mas de quebra o agradecia por lhe dar um vizinho interessante.
- Pronta?
- Agora sim.
- O que você pretende fazer hoje à noite?
- Deixa eu olhar minha agenda... eu cheguei hoje, menino... deves imaginar que não tenho tantas propostas assim. O prefeito me convidou pra ir à festividade de hoje à noite.
- Vai ser entediante, salvo se você gostar de festas de santos. Vamos fugir dessa bagunça?
- Vamos.
- Que tal uma sinuca?
- Adoro.
- Fechado. Passo pra te buscar hoje às oito.
Era estranha a intimidade que eles tinham. Parecia que já se conheciam... ficavam tão à vontade um com o outro que chegava a ser assustador.
Pontualmente às oito, ela ouve um toque leve à porta.
- Senti o perfume lá do meu quarto, imaginei que isso quisesse dizer que você estava pronta.
- Que detalhista.
- Vamos?
Deram-se os braços e foram caminhando calmamente no sentido inverso ao barulho e à balbúrdia.
- Fala a verdade, você foi campeão nacional de sinuca.
- Nada, você que é ruim mesmo.
- Ah, obrigada pela gentileza.
Sentaram-se.
- Que boa surpresa que foi você. Tem bem pouca gente interessante por aqui.
- ...
- Quando disseram que viria uma professora de fora pra cá eu imaginei uma senhora de óculos.
- Tirando o senhora, você acertou, eu uso óculos, como a maioria das professoras.
- Você é forte pra bebida, hein?
- Nada! Tô vendo tudo girando.
- Então eu já posso me aproveitar de você?
- Nem precisava ter esperado.
Beijaram-se, sorriram, gargalharam e voltaram para casa de mãos dadas.