quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


2010 ainda não me trouxe inspiração, por conta disso, posto aqui um texto com o qual tive total identificação. E me deixou feliz também, porque tenho três fobias, o que quer dizer que ainda estou dentro do limite da sanidade. Deliciem-se com o texto, que para fóbicos é seguramente mais engraçado.

Este é o texto de hoje do blog Vida Breve, que recomendo a todos. Ele tem postagens diárias de grandes e excelentes escritores.


Fobia das fobias
Por: Fabrício Carpinejar

O ansioso tem direito a três fobias. Mais do que isso, é ambição e vira doença.

Eu mesmo é que determinei a medida para não depender de especialistas. Sofro por antecipação, o que me põe a ensaiar a cena para diminuir o sofrimento. Só que organizo eventos para os atos mais minúsculos, dobrando o martírio no fim das contas. Ao invés de sofrer na hora, sofro um dia inteiro pensando na hora que vou sofrer. O incômodo passageiro é um desconforto permanente. Banalidades do cotidiano geram desproporcional tremedeira. No intuito de preveni-las, eu me canso em hipóteses pessimistas, desculpas furadas e boicotes.

Carrego uma postura catastrófica. Sou dramático nas amenidades, sóbrio nas tragédias. Sinto o pânico no lugar errado e no momento errado. Serei tranquilo num deslizamento, numa enchente, num incêndio. Mas perderei a lisura ao não encontrar um livro em minha biblioteca. O fóbico não é o que usa uma lupa para ampliar o tamanho das coisas, mas fixa a lente com tamanha insistência que acaba queimando o que vê com o reflexo do sol.

Meus medos são modestos. Exótico é o Roberto Carlos, que somente executa curvas à direita ao volante (chegará sempre a Brasília).

Irreverente é o compositor Arnold Schoenberg, oposto do Zagallo. Sofria de triscaidecafobia, pavor do treze. Seus raros erros estão concentrados no compasso desse número.

Estranha é a poeta Emily Dickinson. Permaneceu vinte e cinco anos reclusa em sua residência em Massachusetts. Consta o registro que saiu duas vezes do quarto para visitar o oftalmologista.

Existem fobias para qualquer drama. Não há limites no céu. Fobia de estrelas (siderofobia), por exemplo. Imagine o neurótico, que mora sozinho com o cachorro e teria que levá-lo para mijar. Olha a janela, repara o céu espocando brilho e lamenta: hoje não Rex, aguenta aí!

É um museu infindável de opções. Um playground masoquista. Fobia de ficar sentado (tassofobia), que atinge grande parte dos espectadores de Gerald Thomas; ou fobia de espelhos (isotrofobia), como feio deveria possuir, mas desperdicei a chance de cativar a mania na infância. E fobias terríveis, absurdas, indesejáveis inclusive aos inimigos, como de nudez (gimnofobia) e de sexo (genofobia).

Minhas dificuldades ainda não possuem nome científico. Uma delas é dar ré num carro no estacionamento lotado. Que tal apelidar de refobia? O globo ocular distorce a pacata garagem numa jamanta pré-histórica. Dezenas de veículos balançam nas costas do animal, que rosna e me ameaça. Entro na festa ou no restaurante em pânico, antecipando como me livrarei da manobra. Não solicitarei ajuda, é certo, o fóbico não confessa o que incomoda por vergonha. Suportará – em segredo – as alucinações. Tem consciência do ridículo de seu receio. A absoluta incapacidade de nomear engrandece o obstáculo. Ao mesmo tempo em que se cala, pondera que o ambiente inteiro repara nele e aguarda o vexame. Suará frio, umedecerá o rosto no toalete, não conversará nada que preste.

A segunda complicação comigo é a faca no café da manhã (proponho a alcunha de manteigageleiafobia). Meu pai conservava o ritual de me agradar e preparar bolachas com geléia de morango. Antes colocava manteiga em seu pão. Não mudava a ordem do gesto, muito menos limpava a lâmina na transição dos potes. Eu detestava manteiga. Comia a contragosto os resquícios brancos na crosta dura de sal, sem a mínima capacidade de reação, de falar um simples e educado “deixa que eu faço”.

Eu vejo que terminei fóbico pela independência. Sendo mais claro, sou dependente pela ilusão de independência. Acredito que ninguém tem condições e entendimento para me socorrer. Muito menos eu.

De todos os males, o que não suporto de verdade é que ofenda os inofensivos hábitos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Fóbico é um chamado carinhoso e me permite continuar vivendo.

Quem diz que não estou contraindo a fobofobia, o medo das próprias fobias? Já seria um amadurecimento.

Um comentário:

Bel Gasparotto disse...

Essa coisa de fobia me preocupa sabe? Dirigindo dentro de um túnel meu coração acelera, minhas mãos ficam molhadas. Dentista e alguns exames têm o mesmo efeito. Elevador me incomoda bem como festas de final de ano (já falei sobre isso, né? rss). Será que sou doente? Vixi...

Ah, mas a maior delas é a fobia de pessoas mais ou menos conhecidas, essa merece um texto no blog!

Bjs