quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ego


Parte 3


Júlia entra no carro e se depara com uma rosa sobre o assento. Sorri.
- Você é um dos maiores predadores das rosas vermelhas.
- Mas é por uma boa causa. Só esse sorriso já valeu a pena. As rosas compreendem.
Eles se cumprimentam com um beijo no rosto. Ela sente o cheiro da loção pós-barba, ele do shampoo, do perfume e do hidratante. Perfeitamente diferenciáveis entre si.
Pedro liga o carro.
- Já escolheu o lugar?
- Desde que a vi naquela festa chata, com gente chata.
- Sei...
- Sério! Pensei imediatamente: tenho que levar esta mulher ao meu restaurante preferido.
- Certo, vamos a ele então.
***
O maître puxa a cadeira para Júlia. Ela olha em volta, com admiração. O lugar tem a aparência de um palácio grego, devia ser caríssimo. Se Pedro tencionava impressioná-la, fora bem sucedido. O ambiente era de um luxo esmagador. As colunas suntuosas e os uniformes impecáveis dos garçons fizeram Júlia pensar que deveria ter caprichado mais na produção.
Pedro lia o cardápio com uma familiaridade que lhe pareceu artificial. Júlia poderia apostar que era a primeira vez que ele entrava naquele restaurante.
- Você sempre vem a este lugar?
- Sempre. Desde os quinze anos... meus pais adoravam isso aqui. Eram amigos do dono. Viemos à inauguração. O garçom lançou um olhar risonho em direção a eles.
- Preciso retocar a maquiagem, já volto. Levanta-se e se dirige ao banheiro. Antes de entrar, pergunta ao barman:
- Este restaurante existe desde quando, senhor?
- Completa dois anos no mês que vem.
- Dois anos? Obrigada.
Júlia volta à mesa com um sorriso enigmático, que Pedro nota, mas teme perguntar a razão. Ele a serve do vinho que pediu. Provavelmente a garrafa mais cara do menu. Ele parecia empenhado na tarefa de impressioná-la. Tal pensamento a fez olhá-lo cinicamente e dizer:
- Desde que idade você disse vir aqui mesmo?
- Não lembro ao certo, acho que desde os quinze, ou antes. Mas sem nostalgia... Você esperava as flores?
- Não... na verdade você nem deveria ter o meu endereço.
- É, temos amigos alcoviteiros em comum.
- Eles vão levar uma bronca.
- Vão?
Sorve o vinho e o olha provocadoramente.
***
A caminho do carro Pedro coloca o braço em volta da cintura de Júlia. Com a mão na maçaneta, hesita. Encosta-a ao carro e afaga seus cabelos.
- Não é ético se aproveitar de uma mulher bêbada.
- Eu nunca disse que sou ético.
Beijou-a longamente, pressionando seu corpo contra o dela, ofegante. Júlia o afasta gentilmente com as mãos sobre seu peito.
Pedro posiciona seus lábios junto ao ouvido dela e sussurra:
- Você esteve linda a noite toda. Perfumada, graciosa, atraente... não sabe o esforço que eu fiz pra me controlar.
- Imagino. Agora me leva pra casa?
Ele a olha sem entender. Ela abre a porta do carro, entra e coloca o cinto de segurança.
***
- Se eu me oferecer para entrar, você se ofende?
- Não, mas não aceito. A noite foi ótima, o vinho e o jantar estavam excelentes. O restaurante é adorável e você foi muito atencioso e cavalheiro.
- Posso te ligar?
- Se quiser, pode sim. Boa noite.
O som da porta do carro se fechando e em seguida o da porta da casa dela, que sequer olhou para trás, ficaram ecoando em sua mente. O trajeto para casa foi automático. Não entendera nada. Como ela podia mudar assim em frações de segundo? Talvez fosse melhor mudar a estratégia. Ser gentil demais não funcionara bem.
***
Com o removedor de maquiagem numa mão e o telefone na outra, Júlia narra a uma amiga a sua mais recente peripécia anti-romântica e gargalha.
- É, querida, resolvi experimentar novos métodos. Os antigos já não me satisfazem mais.

13 comentários:

Bárbara Lemos disse...

Estou cada vez mais curiosa com o futuro desses dois. Estou prevendo uma noite de amor animalesca. Aliás, de paixão, amor não. Ou será que vai sair algo desse tipo?
Ai, ai, ai...

Beijo, Jô.

Mila disse...

Tô com a b.
Curiosa sobre o futuro deles!
Até aqui, está tudo indo legal.
Tô acompanhando que nem novela.
hahaha

Anônimo disse...

O jogo continua interessante: Pedro agindo como um sedutor profissional e Julia agindo perfeitamente como uma... como uma... mulher! "esse ser esquisito e paradoxal" ( vale citar a mim mesmo? rs)

Eduardo Trindade disse...

...E isso tudo é tão vida-real! Impressionante a sensibilidade que capta esses jogos e os narra com tanta maestria!

La Maya disse...

Reflexiva? Nada, é fase...! Eu era muito mais insuportável aos dezenove, hoje sou mais tranquila...!

E quem será que vai vencer esse jogo hein? Pedro? Júlia? Vou ler mais antes de fazer minhas apostas!

Beijos

Juliana Almirante disse...

A pergunta que não cala:

o que se sucede?

La Maya disse...

Hahaha! O perigo das frases soltas!! Mas aos dezoito, dezenove, eu era muito, mas muito crítica comigo mesma, lia muito mais, escrevia muito mais e ao mesmo tempo me fechava muito com meus próprios problemas... aos poucos fui aprendendo a ser mais leve, a me perdoar mais, a ter até um certo controle sobre o meu estado de humor. Continuo questionando, criticando, refletindo, mas tentando fazer tudo isso de uma forma que não machuque a mim nem aos outros.
É, acho que o tempo melhora a gente sim. :)

Beijos!

La Maya disse...

Ah, não que ler e escrever menos seja sinal de melhora! Não mesmo! Mas, como eu disse, é fase...!

. fina flor . disse...

esses jogos de sedução são bons mas perigoooosos, né? rs*

beijos, querida

MM.

Anônimo disse...

Eu já fui amante da felicidade. Mas lembrando agora do que eu havia escrito nestes dias felizes tudo parece tão tolo e ingênuo, uma afronta à realidade. A alegria se perdeu e os textos todos também. Mas não me importaria em ser tolo novamente. Posso citar William Blake pela enésima vez? "Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se tornaria."

Mafê Probst disse...

Garota malvada essa.

Anônimo disse...

Acho que ando praticando essas peripécias anti-românticas ultimamente, Jô. haha
E o texto está ótimo mesmo! Tô curiosa pelo que vai acontecer depois.
Ai, adoro esses diálogos e detalhes passionais.
Adoreii!


Beijos

fjunior disse...

gosto do teu texto... é tão correto que eu penso que deveria tá num livro... qdo aos dois bem, não adianta dizer aqui que acho vocês mulheres bem perversas, as vezes... só as vezes...rs
beijão