domingo, 25 de outubro de 2009

Sabia-se sozinha. Isso a acalmava e apavorava. Olhava para o homem dormindo ao seu lado e o via desbotar numa fotografia manchada, velha e sem cor. Assim fora com todos os outros. Não queria ilusões. Usava-os e mandava embora. Sempre fora assim. Preferia não saber telefones, estado civil, cerveja preferida. Aquele, porém, parecia diferente. Não roncava, ressonava. Aquele ruído parecia um mantra. Colocou sua cabeça sobre o ombro do desconhecido e dormiu. Profundamente.

Despertou com o barulho do chuveiro sendo ligado. A porta aberta dava uma visão privilegiada para aquela silhueta. Saiu com os sapatos na mão, sem bater a porta. A ideia da intimidade a desesperou. Correu vigorosamente em ziguezague, cortando ruas e quadras que não conhecia e só parou quando teve certeza de não saber voltar.

Seguiu com um sorriso doído e os olhos carregados de tristeza.

14 comentários:

Luana! disse...

Tudo tem um preço...até o triste desapego.

Bel Gasparotto disse...

E é tão difícil abandonar o desapego... Esse texto me bateu meio doído, não sei pq, ando muito sensível, rss,

Bjs!

...EU VOU GRITAR PRA TODO MUNDO OUVIR... disse...

Quantas vezes nos julgamos invulneráveis e ,sem que esperemos,tudo desmorona e percebemos o tamanho da fragilidade dos seres humanos com seus apegos,sonhos e amores!!!

Um beijo carinhoso!

Sonia Regina.

Vanessa Raiol disse...

um dia, um momento, algo vai balançar estruturas, algo em nós será questionado. Isso é inevitável.

...EU VOU GRITAR PRA TODO MUNDO OUVIR... disse...

Jô!

Lá em meu blog tem uma Declaração de Amizade para você!!!

Beijos!!!

Sonia Regina.

Com ou Sem conclusões disse...

Que lindo!

bjoo

entremares disse...

"As horas morrem, assim de repente
E eu morro com elas.
Trocava a glória, o beijo da eternidade
Pela paz dos anónimos, pela felicidade,
Um jantar à luz das velas
Um leito desfeito, um amor presente."


O prefácio, como todos os outros da sua já longa lista de obras publicadas, fora escrito pela sua amiga Joana, na forma de um poema.
"Memórias de um quarto vazio" - assim se chamava aquela punhado de páginas, com uma capa carmim, exibindo uma peça de roupa abandonada no chão atapetado de um quarto de hotel; um punhado de folhas na forma de um romance, retratando a vida de uma quase vulgar vendedora de produtos de cosmética, saltitando de hotel em hotel, de cidade em cidade, os seus amores e desamores, a sua procura por uma paz tardia de encontrar.
Eunice, a escritora, também bebia muito da sua personagem, desenhara-a à sua imagem e semelhança, como barro fresco. A vendedora, a irrequieta Sofia, era uma mulher independente e rebelde, que disfarçava a solidão com aquele hábito de nunca conseguir adormecer sozinha, mesmo que a companhia fosse alguém que acabasse de conhecer durante a noite. Ela, Eunice, não era independente mas ainda rebelde. De uma forma que não conseguia definir por completo, sentia que ainda não folheara as páginas mais interessantes da sua vida. E talvez por isso mesmo agora se sentisse mais apressada, mais sôfrega, na ânsia de atingir esse ponto de não retorno, onde tudo mudaria, e quem sabe…. A Eunice do presente voltasse a ser a Eunice que sempre desejara ter sido.
Com um gesto vagaroso, sorveu o café quente da caneca de louça.
O sol de Inverno entrava timidamente pela janela, rasgando os vidros baços e reflectindo-se no tapete branco e na roupa nele despejada de rompante.
Por um momento, imaginou o mesmo sol noutra vidraça, num outro lugar, talvez numa cabana à beira mar, numa casa velha de província, num recanto com um jardim de rosas e malmequeres, um quintal de arvores de fruto, telhados de madeira e quem sabe, uma chaminé para as noites frias de Inverno.
Mas nem isso seria o mais importante.

Mais um gole.
Um suspiro e um revolver de lençóis.
Olhou de soslaio por cima do ombro. Ainda dormia.
Tentou desesperadamente lembrar-se do nome dele, mas não conseguiu. Recordava simplesmente que o conhecera durante o jantar, na noite anterior, depois da sessão de autógrafos - o lançamento do novo livro.

A solidão - pensou - não era boa companheira. Mas a companhia de ocasião… seria?

Pousou a caneca vazia e em silêncio, foi apanhando as peças de roupa atiradas para o chão. O espelho do quarto - enorme, como em todos os quartos de hotel - surpreendeu-a assim, nua e agarrada a um punhado de roupas. Abriu os olhos de espanto.
A sua Sofia, a vendedora de cosméticos, deveria ter aquele aspecto. Imaginara-a assim, também, sem maquilhagem, as primeiras rugas a despontar, o peito a perder a firmeza de outros tempos.

- Adeus, Sofia…. - disse finalmente, como se falasse para consigo mesma - estou farta de viver a tua vida…. Vou voltar a ser Eunice….

Unknown disse...

Ai Jô, pensei que essa estória ou hitória fosse ter um final feliz. Não sei bem expressar o que senti com esse texto, por ter terminado dessa forma, ainda acho que todos tem que ter um final feliz, ACORDA ALICE. Enfim amei, como todos os teus textos.
Beijos
Dani

Anônimo disse...

Sou tua fã. Gosto dos teus textos, eles são como eu, desapegados...
bjs.

disse...

Obrigada, sra. anônima. :)

Anônimo disse...

Na verdade, só comecei a ler o que ecreves, por termos um amigo em comum.
Vi a tua página no orkut e entrei nesse blog maravilhoso! Parabéns. A cada dia, enriqueço minha imaginação e vou me adequando em alguns dos teus textos e apartir disso, acabo me conhecendo mais e mais...Continue escrevendo para que eu saiba até onde eu posso chegar nesse mundo real e imaginário pela qual fazemos parte. bjs

disse...

Obrigada mesmo, moça. É bom saber que alguém se interessa e gosta do que a gente escreve. :) Se quiser se identificar, seria bom, se não quiser, tudo bem. De qualquer forma, obrigada, fico feliz.

Unknown disse...

Você e muito querida por esse seu amigo, O Fernando, e através dessa ponte, tive o praser em conhecer esse seu canto rico em rosas vermelhas... Sou a Celi, praser em conhecê-la.
bjs

disse...

O Fernando? Ah, ele é muito, muito querido também. É daqueles amigos que a gente guarda num lugar especial. Que bom saber que vc vem de bons amigos, moça. Vc é mto bem vinda. Volte sempre que quiser. Bjs.